AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO: Revista Op. #23     DATA: Fevereiro de 2007 





Edward W. Said
Orientalismo, Cotovia, Lisboa 2004

“Orientalismo” começou por ser uma tese. O passar do tempo fez com que se transformasse num texto imenso,
uma recolha exaustiva de ideias desenvolvidas na Europa no sentido de se explicarem as diferenças entre as
ambas as civilizações. O conceito deste livro procede como uma justificação sobre todos os empreendimentos
imperialistas e colonizadores levados a efeito na história do mundo ocidental. O seu conteúdo, de uma estranha
actualidade, incide no eixo identificativo entre as fronteiras orientais/ocidentais, que ainda hoje se manifesta.
Procurar encontrar as causas que deram origem à já conhecida necessidade de domínio cultural que o Ocidente
sempre estabeleceu perante o Oriente foi o ponto de partida de Edward W. Said. Das visões estruturais de
“Orientalismo” retira-se um extenso número de conceitos e factos históricos que compreendem o poder do
imperialismo, acompanhados de diversas elaborações teóricas que justificaram a sua base religiosa e,
pretensamente, científica, sobre uma dominação que não tem razão de ser. As sociedades ocidentais não se
limitaram a exercer o poder pela força das armas, nem estabeleceram com esse mundo, descoberto desde há
muito, uma análise assente num pressuposto de diferença. Fomentou-se, sim, uma ideia de excentricidade para
facilitar todo o processo de poder, através de uma espécie de complexo de Édipo, sobre um velho sentimento
religioso transformado em culpa civilizacional. A proliferação de textos orientais, sagrados e não sagrados, que
foram sendo descobertos ao sabor das conquistas, das explorações e do colonialismo, serviram para reiterar uma
superioridade ocidental sobre os povos, tornando difícil rasurar a importância da religião, da arte, do
pensamento e da ciência oriental.
As análises de Said denunciam um grau de alienação extremamente apurado sobre uma realidade oriental
incompreensível e imprevisível para os ocidentais. Todas as incapacidades de entendimento fora das suas
relações de poder, fez com que o Ocidente tivesse de deturpar, permanentemente, o seu leque de explicações. A
diferença oriental, nas suas estruturações religiosas e culturais, foi habilmente manipulada pela construção de
formas de ver o mundo arbitrariamente interesseiras, seguindo um modelo bipolar de divisão, o qual explica, de
certo modo, o fiasco geral da história do mundo ocidental na sua velha relação com o Oriente. “Orientalismo”
fala-nos dessa grandiosa empresa de construção imaginosa que o mundo edificou sobre o mundo oriental, a qual
permanece, ainda hoje, muito operante, com os seus inúmeros desperdícios de compreensão e com a leveza das
uniformizações conceptuais das avaliações efectuadas.



Manuela Ribeiro Sanches (org.)
Deslocalizar a Europa, Cotovia, 2005

As questões relativas à nossa identidade permanecem ainda muito activas e evidentes numa Europa que
aparentemente perdeu, de forma indiscutível, a sua centralidade cultural. O que teremos de fazer para
continuarmos a ser “Europa”? Devemos ir ao encontro dos outros povos, abdicando do nosso passado? Ou
devemos criar novos processos de atracção sobre os outros, que nos evitem perder mais referências sobre nós
próprios?
Podem colocar-se aqui mais outras tantas perguntas sobre o modo de proceder europeu. Será então possível
alimentarmo-nos de uma parte substancial da nossa história e cultura, e continuarmos a ser um novo ponto de
referência cultural para o futuro? Ou será possível, no futuro, existir uma centralidade como aquela que existia
no passado? Se não há mais centralidade, o que é que se segue? A leitura deste livro percorre um conjunto de
textos de diferentes autores sobre vários pontos sensíveis da nossa cultura: colonialismo, etnografia, tempo e
escrita; ficções e representações; história, arte, alteridade, transculturação. Nele são analisadas as nossas
transfigurações de identidade, com os seus processos de deformação das linguagens, determinados pela
imposição de poderes políticos e económicos. “Deslocalizar a Europa” refere-se aos problemas da centralidade e
da periferia, negando a fixidez das fronteiras, compreendendo os papéis de se ser alvo ou adversário num
contexto em mutação.
A cultura é um texto aberto, um espaço sujeito a múltiplas reinterpretações, sem nunca possuir um ponto de vista
neutro, formado por narrativas que não pertençam a alguém. Os discursos pós-coloniais fazem-se sentir como
mais uma construção, uma visão cartográfica que utiliza a história dos acontecimentos como referência
posicional e geográfica, capaz de nos fornecer coordenadas identificativas e posicionamentos relativos,
fundamentais para a compreensão da contemporaneidade. “A identidade não é o mesmo que a identificação e a
simplicidade aparente da primeira não deveria ser substituída pela complexidade efectiva da segunda”. Todas
as hegemonias estão em movimento, e tornaram-se o meio através do qual a cultura , a língua e a sociedade
estão, permanentemente, a ser (re)construídas. Como será este futuro?




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