AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO: Revista Op. #20     DATA: Agosto de 2006 





George Steiner. Os Logocratas, Relógio d’ Água, 2006
Jacques Derrida, Maurizio Ferraris. O Gosto do Segredo, Fim de Século, 2006

As críticas têm muitas razões de ser, embora seja sempre difícil distingui-las de outras acusações injustas e
surpreendentes. Quando alguém intervém em lugares canónicos ou noutras instituições completamente
legítimas, as críticas são quase sempre moralizadoras. Não se sabe se solucionam alguma coisa e se, de facto, a
quantidade de opiniões contrárias que circulam pelo ar permitem aperfeiçoar qualquer processo de libertação
hedonista.
Sabe-se no entanto que pensar é uma actividade solitária, um acto difícil, por vezes a rondar a loucura, e que a
capacidade de nos concentrarmos profundamente, de irmos ao fundo, exige níveis de trabalho individual intenso
e constante. Ao admitir-se que são escassos os que sabem realmente pensar, no sentido de atingir um pensamento
efectivamente focado, estamos a reafirmar um acto de extrema dificuldade. São momentos complicados que
beneficiam enormemente da pressão de quem os sofre. Em princípio, temos essa noção de angústia, mas são
poucas as pessoas conseguem retirar o melhor partido dela. O desenvolvimento de pensamentos interessantes, e
ainda mais de pensamentos inovadores, exige uma apurada capacidade de gestão: uma noção de sobrevivência.
Assim, é importante sermos capazes de estabelecer uma série de soluções de vida que nos permitam manter um
espaço suficiente de porvir, o qual, à partida não tem horizontes determinados. Esta situação indica uma
necessidade de se elaborar uma estratégia, para não aderirmos ao coro de todos os politicamente correctos que,
movidos pelo desejo de agradar, se deixam prender a um estado de apatia e submissão ao gosto colectivo.
O médio e o medíocre tornaram-se perfeitamente viáveis ao serem integrados. Uma boa equipa pode construir
um bom resultado. No entanto, nenhuma excelente equipa será capaz de salvar um mau pintor, um mau músico,
um mau metafísico. Por certo que a ascese de determinados pensadores, que nunca precisaram de fazer
compromissos sobre nada e sua existência foi reflexo desse distanciamento, pode fornecer pistas importantes
sobre os modos de proceder. Na ascese de um Wittgenstein ou de um Heidegger, reside talvez a única estratégia
possível: não se deixarem tocar.
Actualmente os intelectuais encontram-se numa posição extremamente falsa, não ousando nunca confessar que a
grande cultura é, por definição, antidemocrática, e que exclui mais do que inclui. E se outrora a cultura clássica
era um terreno reservado a uma elite que se autorizava pelo conhecimento revelado, hoje, a cultura presente, tem
como obrigação considerar, no seu objecto de estudo, a fenomenologia das massas - uma predominância
avassaladora de um colectivo uniformizador. É por isso que cada vez é mais necessário saber dizer "não", ser
capaz de recusar um público que não está, de facto, em condições de ajuizar. Sempre que se escreve alguma coisa
tem-se a impressão de recomeçar. Depois, encontra-se algo de idêntico ou diverso. Mais tarde, precisamos de
confiar no nada e apoiamo-nos na esperança de começar tudo outra vez.



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