AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO:
(Catálogo) Centro Cultural Vila Flor     DATA: Março de 2020 





Quando um autor desaparece extemporaneamente, qualquer exibição dos seus trabalhos encerra diversos perigos, principalmente os que convocam sentimentos de perda. Admitir esta tendência equivale a afirmar que a exposição teria um objetivo determinado, o que não é o caso. No início, existiam apenas alguns rudimentos de ideias, provenientes de um estranho sentimento de urgência, estimulado por uma vontade de mostrar uma autora que tinha trabalhado um núcleo de imagens singulares, cujo sentido foi deixado em aberto pelo seu desaparecimento precoce.

A exposição de Patrícia Almeida é um exercício de observação. Reúne um corpo de trabalho forte e abrangente, organizado numa sequência alargada de imagens que exprimem as diversas facetas de uma obra. Com esta mostra pretende-se lançar um desafio ao espectador mais desprevenido, convidando-o a fundir-se com o olhar observador e atento da artista, materializado numa fusão de papéis, nos quais Patrícia Almeida e o recetor são levados a interrogar-se numa aprendizagem transformadora, face aos sinais do tempo.
























Considerando-se que todos os sistemas de ideias, logo após a sua constituição, encetam de imediato uma luta pela própria sobrevivência, as obras desta artista apresentam uma serenidade pacífica, mostrando lugares desprovidos de intensidade e tensão existencial: as pessoas surgem assim como entidades ausentes não dependentes da obrigatoriedade de possuírem seguidores; o indivíduo descobre o seu lugar na sociedade do rendimento que tudo abarca, através de uma atitude de exclusão. As fotografias revelam uma ideia de vazio, de falta de confronto ideológico, sugerindo posicionamentos superiores e elevação dos espíritos para dimensões subjetivas assentes em interioridades pessoais e solitárias. Num mundo cada vez mais competitivo, o êxito dos mais fortes é uma tentação com uma enorme força atrativa; exprime ideologias de supremacia que se têm difundido um pouco por todo o lado; este facto pressupõe desvios na igualdade, através da intensificação de uniformidades. Os desequilíbrios provocados pelos sistemas maioritários geram conflitos sociais, económicos, políticos, culturais... em contexto excessivamente homogéneos, exigindo do sujeito mais lúcido distanciamentos, face aos poderes instalados; as paisagens urbanas e não urbanas refletem cada vez mais esta realidade. As fotografias expostas mostram, de forma hábil, como as sociedades atuais, depois de consolidadas e institucionalizadas, são incapazes de moderar o impacto das estratégias de poder: como não conseguem conter as ambições de influência ou tendências populistas, põem cada vez mais a descoberto espaços de ninguém, nuns casos saturados de informação noutros abandonados à espera de novas utilidades, embora todos eles, controlados e vigiados.























Nesta exposição, as obras da artista representam um amplo processo de reflexão crítica, centrado no sujeito que assume o papel de testemunha numa narrativa sem personagens. Esta descreve a história de um ser que tem de partilhar um conhecimento constantemente desatualizado, num mundo enigmático e transitório. A atividade crítica fica assim, circunscrita a uma única pessoa (a autora) que chama a si a responsabilidade de dar voz a um conjunto de emoções e pensamentos, expressos numa mundivisão que denuncia radicalidade e violência. Estas fotografias traduzem as enormes qualidades humanas da artista que, fazendo sobreviver a sua arte em espaços ambíguos de desassossego e inquietação, projeta-os em visões, ora contraditórias ora sensíveis, baseadas no enorme potencial da verdade.




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