AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO: (Desdobrável da Exposição) Centro Cultural Vila Flor     DATA: Março de 2018 





A apresentação de uma obra reabre uma pequena janela distópica, simbolizada por uma fresta esperançosa de
instantes recolhidos em prolongadas derivas por culturas diferentes como se fossem rasgos de liberdade ou
relâmpagos de alegria... Contudo, é preciso ser frontal e isto implica não esconder a verdade, nem ceder ao
artificialismo dos efeitos fáceis; a vida é manifestamente trágica, mas apesar de todas as desgraças e catástrofes,
pode haver momentos em que se experimenta um certo gosto de viver.   
Os trabalho expostos representados sob a luz imanente de um pensamento que brota sem cessar, relevam força
interior, autenticidade  e intuição; as obras de autor estão impregnadas dos seus pensamentos, do grau de
consciência e da liberdade da imaginação, traduzindo marcas pessoais distinguíveis que o identificam. Sendo
difícil escolher uma palavra para sintetizar o conjunto de um corpo de trabalho singular nada melhor do que
analisar cada obra, testando diferentes processos de subjetivação, detectáveis nas diversas abordagens de olhar,
ouvir ou ler.

Cada obra possui uma história feita de movimentos por territórios, povos e países; são instantes, onde se
encontram olhares, audições, leituras... de alguém que não receia compromissos, sendo frontal nas suas decisões;
cada obra de arte faz uma tríade reflexiva, por meio da recordação, evocação e reminiscência; as obras têm de ser
percepcionadas, para além dos seus limites formais e temáticos, cruzando-se os modos de olhar do autor, com os
estímulos desencadeados por lugares e pessoas a si exteriores; a sequência de dos trabalhos apresentadas deve ser
encarada como um todo unificado e abrangente, uma proposta, cuja exposição representa um pensamento
sinuoso e pessoal, visão idiossincrática e intimista que tanto exala e como absorve elementos visuais, sonoros,
hermenêuticos  de diferentes proveniências.
O pensamento subjacente a cada obra movimenta-se como um rizoma, modelo de construção enleante e
disperso, essencialmente horizontal e expansivo, que se insinua sob a terra, numa rede invisível de terminações e
conexões; enquanto as raízes exploram a luz do saber da grande árvore, sempre exposta à luminosidade solar,
aproveitando sinergias fotossintéticas, gerando desenvolvimentos cromáticos indiretas; o rizoma deestende-se em
ínfimos impulsos subterrâneos, que  se expandem de forma indomável, sempre horizontais, flexível e adaptável,
formando nós de ligações incertas e obscuras, agindo como pontes para novas soluções interpretativas; as
ambiguidades e ambivalências resultantes desta trama de ramificações incessantes, são dobras que formando
atalhos e alternativas para novos caminhos, incitando o observador a penetrar no desconhecido, a correr riscos,
fazendo interpretações assentes em visões de carácter probabilístico, aleatório, quântico, infinito...

Muitas vezes, as pessoas não sabem o que querem, nem querem o que sabem, ou simplesmente preferem o
errado; nas fotografias de André Príncipe o errado permanecerá errado e o certo ficará tal como está; se o
observador precisar de fazer acertos de circunstância entre si e as imagens, as alterações para melhor ou pior,
para mais ou menos acabadas, continuarão a funcionar como fonte de estímulos, isto é, pontos sensíveis de
compreensão que enfrentam o invisível, sem receios ou limitações. O campo de expressão desenvolvido vê na
ignorância uma vantagem, um imperativo de aprendizagem na obrigação de desencadear buscas incessantes de
conhecimento; todavia, quando se atinge algum saber minimamente coerente, este manifesta-se de maneira algo
estranha, pois quanto mais a imagem se revela e autonomiza, menos se deixa ver, parecendo incompleta e
distante do real.

O artista expõe nos seus trabalhos fragilidades de consciência e pensamento. Quando se olham imagens sem
intuição nem instinto, a razão coloca dúvidas ainda hoje sem solução; terá sido a consciência a primeira resposta
subjetiva a surgir, face ao que se vê, logo seguida do pensamento, ou foi o pensamento que reconheceu a
consciência? Ou, estando as duas dimensões sobrepostas, tudo o que a mente processa serão apenas idealizações
instantaneamente assumidas, confundindo-se e, confundindo quem pretende decompô-las? Pensar e sentir a
consciência fez as pessoas sentirem-se mais vivas -a vida é a grande descoberta do ser humano; os campos de
visão formados por imagens, onde umas se alojam dentro de outras, ajudados pela consciência e pensamento
criaram, uma mutualidade imprevista, ordem arbitrária de influências, cuja associação ficaria mais pobre, se
desse encontro com o real, não surgisse a imaginação; esta terceira dimensão subjetiva do espírito humano,
representou um salto quântico fundamental na direção do inexplicável, um território obscuro, insondável,
inconsciente, profundo... no qual as ideias são permanentemente refeitas a partir da recombinação imaginosa de
vestígios, libertados pelo pensamento e consciência; a imaginação acrescentou espaço de manobra ao já visto,
tornando-se uma hábil ferramenta de escape; imaginar é fugir ao que é dado, é escapar ao reconhecível, é
procurar o desconhecido; através da imaginação deu-se uma espécie deupgrade cognitivo que expandiu o
significado das imagens; sem a imaginação cada fotografia permaneceria numa passividade esfíngica, numa
combinação de significados constantes e rotineiros, numa  dureza impossível de admitir transformações; a
necessidade de mudança surge no que não está completamente exibido, precisando de ser preenchido com um
olhar criativo; completar é acrescentar experiências, retidas no quotidiano, muitas delas imperceptíveis, fruto de
tentativas de tentativas, num espaço cosmológico euclidiano, traçado pela consciência, pensamento e imaginação
que nele vagueiam sem cessar. São estes três elementos, (consciência, pensamento e imaginação) organizados em
diversas distribuições espontâneas que fizeram da arte uma mistura explosiva; o artista age sobre a zona obscura
da sua mente, entre sensações de impotência, estados de tristeza, vontade de saber, necessidade de
aperfeiçoamento, ânsia de fazer coisas bem feitas...verdadeiras e profundas fontes da criação; estas fontes
fizeram maravilhas durante séculos; hoje, na era do Twitter, do Instagram, das redes sociais... torna-se
impossível elaborar pensamentos críticos; o trabalho mental é menosprezado, deixando de ser gratificante;
ninguém procura criar, pelo “direito de ser”, como sucedia antigamente; “direito” é segundo Espinosa um
“direito” a fazer, a agir segundo a natureza própria de cada um, e não um direito judicial a “ter” ou possuir
coisas; cientes de uma conjuntura adversa, desencadeada pela desintegração de costumes, os artistas atuais
partiram para outras experiências do sensível, com muito menos expectativas no futuro, deixando de captar nos
seus trabalhos, mensagens de emancipação e justiça.





























A analogia entre pensamento e rizoma foi explorada por Deleuze, levando-o a refletir sobre a forma como cada
um se manifestava e interagia com o mundo. A propósito perguntou “se o pensamento poderia fazer crescer a sua
erva, mesmo nas margens do impercetível”?

Eis algumas respostas:
- O pensamento não procede da bondade da natureza ou da boa vontade do indivíduo; nem nasce da compulsão
gerada pela sua falta;
- O pensamento não se exerce através de uma concordância de faculdades ou de dons, mas pelo contrário,
conduz cada faculdade ao limite da sua própria contradição;
- O pensamento não se fecha numa cognição definitiva, abrindo-se a encontros definido sem função do exterior;
- O pensamento não quer lutar contra o erro, mas precisa de se livrar do seu pior inimigo, muitas vezes escondido
e poderoso, a estupidez;
- O pensamento define-se pelo esforço de aprender e não pelo satisfação de saber, facto que o expõe a poderes e o
obriga a questionar a eficácia da sua própria evidência.

Durante a vida de um indivíduo e, apesar da velocidade dos acontecimentos, o que de facto muda é muito pouco
e o pensamento já não gera utopia - local onde tudo é o que devia ser; definindo-se através de expedientes de fuga
a imaginação ajuda neste processo com as suas efabulações compensatórias, face ao imobilismo, passividade,
fatalidade, destino, descrença... A utopia é uma emanação do pensamento simbolizada por um espaço aberto de
liberdade, a construir no futuro longínquo, sempre frágil e de difícil acesso. Foi assim que se idealizaram e
preparam mudanças, muitas delas dirigidas por movimentos emancipatórios em busca de um mundo melhor; o
pensamento ocupa todo o espaço, exigindo respostas; a consciência fixa essa necessidade, tornando-a presente e
a imaginação sonha livremente maneira de a pôr em prática; no passado bastava um punhado de expectativas,
idealizadas por um grupo reduzido de pensadores, mesmo sem usar a consciência, a imaginação e a crítica
produziram ventos intensos de revolta; esta implodiu impérios e poderosos; o pensamento é livre por natureza
pois quer sempre mais; porque, ávido de ação, nunca está satisfeito; tem horror ao vazio, vivendo de espaço em
espaço; o pensamento renova-se constantemente, porque não pode assumir uma presença efetiva. Por outro lado
a utopia é sempre de uma visão sincrética do melhor, do mais justo, do mais humano.
As fotografias de André Príncipe combinam pensamento, utopia, esperança, consciência, sonho, imaginação...
embora assumam estes elementos de forma velada; como sombras informes, fantasmas, campos visuais de
múltipla interpretação, os temas abordados expandem-se em diversas direções; vestígios de um mundo
imperfeito, impuro, injusto, cruel... com o qual o artista se confrontou, por vezes de maneira violenta; a realidade
dos factos em cada representação agepor contraposição, tentando inverter a ordem estabelecida pelo discurso
politicamente correto; as imagens dirigem-se às pessoas, propondo soluções alternativas indiretas ou ideias de
mudança invertidas; não podendo escapar ao exterior, misturam-se com ele, ficando anos e anos submersas em
composições subjectivadas, num inconsciente escondido, calado, anónimo... no encerramento sobre si; esta
aparente passividade não incomoda o artista que continua a percorrer um caminho crítico e exigente.

Devido à sua maleabilidade infinita, nem todo o pensamento gera alterações e muito do que acontece parece
engendrado por causas difíceis de explicar; poucas vezes se pensa nos motivos aparentemente exteriores, assentes
em situações tão díspares e incoerentes como insatisfação, ressentimento, inveja, ambição, desejo,
aspiração...antigamente, estas seriam incapazes de se organizar em movimentos de desagrado e protesto de curto
prazo, sem projeto político definido, como hoje se verifica; nas lógicas sociais das sociedades modernas, pós-
ideológicas, os pensamentos entram e saem da história em manifestações inconsequentes e efémeras; as utopias
são manchas distópicas, densamente iluminadas pelo pensamento e a força da paixões gera e arrasta as pessoas
para níveis de isolamento inquietantes; o mal-estar gerado pelo apelo disrutivo da falta de utopia capaz de
afectar, tanto a multidão, como um único indivíduo, desencadeia coisas boas ou más; as destruições em massa,
descontroladas, confirmam que o pensamento só pode agir como intromissão fantasmagórica sobre o mal,
culpabilizando e angustiando, retrospetivamente, inimigos colectivos. As aspirações podem incentivar reações
inofensivas e domesticadas, como expandir forças violentas e impulsivas, nas quais se acumulam
constrangimentos, frustrações, angústias, depressões...; quando concentradas em paixões arrebatadas, sob
espaços sem liberdade, provocam revoluções.

Numa sociedade assente no consumo desenfreado de bens, a precariedade, insegurança, instabilidade, são parte
implícita de um sistema violento que as pessoas admitem sem protesto; ninguém acredita no progresso rectilíneo
moldado pela história; ninguém consegue escapar ao medo de novas catástrofes sociais, ecológicas, políticas,
religiosas...e ainda assim, a sobreposição do real com pensamento continua a produzir idealizações, baseadas na
liberdade da imaginação; de cada ideal gerado pelo tempo, nasce uma espécie de bom-lugar, sentido como
espaço definitivamente acabado e sem defeitos; os lugares formados pela arte, filosofia, religião, mitologia... no
interior da cultura, foram e ainda são representações efetivas de territórios resgatados pelo bem ao mal.

As imagens fotográficas de André Príncipe, vivem entre a dureza de uma realidade cruel e injusta e um campo
difuso de factos, onde as imagens denunciam formas de alienação. Apesar do progresso tecnológico, o que tem
mudado na arte é a combinação de temáticas, a sua estrutura fragmentária, a rutura de materiais, as ligações
surpreendentes, as sujeições ao mercado, o controlo dos media... As paredes do labirinto humano atual,
continuam a dividir pessoas, a segregar géneros, a culpabilizar etnias, a fomentar radicalismos... As imagens
expostas expressam uma interioridade e uma pacificação algo insólitas, como se fossem o melhor refúgio para
indivíduos acossados por máquinas inteligentes que controlam os seus movimentos.

As fotografias alteram o espaço material onde o observador se move, adequando-o às suas construções subjetivas,
ao mesmo tempo que o liberta de condicionalismos e submissões. Todavia, sente-se que após ultrapassado o
efeito causado pelo surpresa inicial, o desagradável e a regressão, voltam de novo a impor as suas normas; para
incentivar o avanço salutar da imaginação, as pessoas devem tentar encontrar nas fotografias, instantes raros,
momentos frágeis, tempos efémeros, subtraídos à arrogância do presente e à evidência do agora, no aqui
imediato, onde tudo é absorvido e dominado; o homem caminha para o fim da sua história, anunciada pelo
tempo esgotado de morte.





























As fotografias revelam ao observador como é difícil mudar de lugar, mesmo quando tudo está em movimento,
porque o que se olha não tem sítio. Os espaços captados persistem num território de ninguém, zona geográfica
global, sem latitude, longitude ou altura, encarnando a função moderna da ruína, onde o homem pós-ideológico
se destrói num embate inglório contra a força do presente; o passado encurtou-se, aproximando-se do agora
imediato; o presente transformou-se no direto comunicacional que tudo ocupa; o futuro com a velocidade da
comunicação acontece, no mesmo tempo do presente; em resumo,há presente a mais em cada momento, e as
imagens deste autor relevam a importância dos movimentos mais lentos do olhar; a contemplação e a demora são
incompatíveis no sentimento de devastação global, causado pela consciência de um passado perdido com o
desaparecimento dos costumes; segundo Hegel os costumes, Sittlichkeit, formam um denso conjunto de normas
da vida social não escritas, constituindo uma espessa e impenetrável substância ética que informa o fazer e não
fazer; hoje, essas normas desintegraram-se e o que há duas décadas, era impronunciável, é atualmente dito
desavergonhadamente;

As fotografias aprisionam momentos que teimam em desaparecer; apesar dos avanços ocorridos, o que mudou,
foram os aparatos tecnológicos ao serviço do homem, arrastando-o para uma nova realidade; o digital substituiu
o analógico, e os planos das imagens achataram-se; o écran é o sítio onde se deu uma tecnicização intensiva,
decompondo imagens em milhões de pixéis, dimensionadas em comprimento e largura; quando vistas de frente
surgem como linhas, quando olhadas de perfil, aparecem como pontos; é neste campo binário de forças
electromagnéticas, sem altura, nem densidade que o mundo atual se propaga; tudo se repete e manipula numa
imagética inacabada, provisória e a prazo, denunciando a sociedade como lugar indesejável; o poder atual está
disposto a errar e a destruir se necessário, para se manter; usa um discurso otimista e exacerbado que não leva a
lado algum, cujas promessas de progresso são sinais de fracasso.

Deleuze apresenta duas formas de olhar o poder, distinguindo a oposição entre árvore e rizoma; refere a
diferença da seguinte maneira: “isso das árvores não é de todo uma metáfora, é uma imagem do pensamento, é
um funcionamento, é todo um aparelho que se planta no pensamento para o fazer avançar pelo bom caminho e
lhe fazer produzir as famosas ideias adequadas. Há todos os tipos de caracteres na árvore: há um ponto de
origem, germe ou centro; é uma máquina binária ou princípio de dicotomia, com as suas ramificações
perpetuamente repartidas e reproduzidas, e os seus pontos de arborescência; é eixo de rotação, que organiza as
coisas em círculo, e os círculos em torno do centro (...); há um futuro e um passado, raízes e uma copa, toda uma
história, uma evolução, um desenvolvimento; pode ser recortada, segundo cortes ditos significantes enquanto
seguem as suas arborescências, as suas ramificações, as suas concentricidades, os seus momentos de
desenvolvimento. Ora, não há dúvida que nos plantam árvores na cabeça; a árvore da vida, a árvore do saber, etc.
Toda a gente reclama raízes. O Poder é sempre arborescente.(...) Cada ato decisivo testemunha outro
pensamento, na medida em que os pensamentos são eles próprios coisas. (...) Há linhas, que não se reduzem ao
trajeto de um ponto, e que escapam à estrutura, linhas de fuga, devires, sem futuro nem passado, sem memória,
que resistem à máquina binária, devir-mulher que não é homem, nem mulher, devir-animal que não é nem besta
nem homem. Evoluções não paralelas, que não procedem por diferenciação, mas que saltam de uma linha para
outra, entre seres inteiramente heterogéneos, fendas, rupturas imperceptíveis, que quebram as linhas tão
depressa quanto as retomam algures, saltando por cima dos cortes significantes... O rizoma é tudo isso. Pensar,
nas coisas, entre as coisas é justamente fazer rizoma, e não raiz, traçar a linha e não o ponto. Fazer população
num deserto, e não espécies e géneros numa floresta. Povoar sem nunca especificar”.         





[ ENGLISH ]