AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO: (Catálogo) Centro Cultural Vila Flor     DATA: Janeiro de 2018 





O trabalho de Pedro Cabral Santo é difícil de definir, devido à versatilidade e multiplicidade de recursos e
processos. Tal facto devolve à sua obra uma aura de liberdade e autenticidade invulgares, dimensionada numa
projeção humana difícil de encontrar. Organizando-se numa disposição criativa que atenta contra as lógicas
mercantilista, a arte de Cabral Santo parece escapar às práticas apressadas de avaliação, aquisição e venda. Por
meio de um conjunto de peças sensíveis, cuja presença está fora do esquema tutelar da componente economicista
da arte, o artista estabelece relações com diferentes tipos de objetos e materiais que, pela sua natureza, são
trabalhados e associados através de uma visão pessoal; dá prioridade a sentimentos cujos particularismos
prosperam em ambientes de relações humanas intensas e poderosamente intimistas.
A exposição de Pedro Cabral Santo, no Centro Cultural Vila Flor, reflete problemas sobre a finalidade da obra e
do papel do artista perante o público recetor.

Hoje, paira sobre a arte uma espécie de crise de identidade, em que a presença do negócio e do mercado,
deformam o seu significado original. Numa sociedade de consumo, o dinheiro compra tudo, mas também
controla o que acontece; quanto mais as comunidades evoluem e se diferenciam tecno-cientificamente, parecem
menos dispostas a cooperarem em processos tão simples e despojados, como o gozo de sentir o gosto na
pacificação e contemplação. O simbólico, o misterioso, o inacessível, o obscuro, o imprevisto, perderam a sua
energia transformadora, havendo sinais preocupantes quanto à banalização, vulgaridade, esgotamento,
saturação das manifestações artísticas.

A arte deveria estar inume aos avanços e recuos económicos e ao desenvolvimento tecnológico; no entanto,
repetidas crises associadas à insegurança e incerteza dos mercados, interferem, distorcem e destroem o
ecossistema criativo no qual a arte evolui. Os efeitos recentes da falta de confiança devem-se à perda de
segurança no funcionamento bolsista; sujeita ao artificialismo e incerteza das atividades acionistas e financeiras
que obrigam a reformular as lógicas de poder, a arte, exposta às mutações ambientais, atraiu investidores e
homens de negócios com um apurado sentido de oportunidade, pouco interessados na dimensão interior do
fenómeno criativo; estes novos agentes deslocam-se e agem como factores de intervenção e influência, alterando
coordenadas e parâmetros na circulação e avaliação crítica das obras.

Face à mudança de paradigma, o posicionamento ético de Cabral Santo assume grande relevância. Em primeiro
lugar, a sua prática criativa concretiza-se segundo uma honestidade inusitada e uma forma impoluta e
extremamente íntegra de se posicionarn o mundo. Em segundo, quando os artistas são vistos como alvos a
perseguir, valor de referências compreendidas pelos compradores/consumidores, Cabral Santo move-se no meio
artístico, de maneira autónoma e independente, explorando problemas complexos do processo criativo e do
dilema do autor na sua relação com o mercado.

Era suposto que o mercado respeitasse o espaço existencial dos artistas, permitindo distanciamentos cautelosos e
afastamentos independentes. No entanto, os calendários e agendas da lógica mercantilista que alimentam a
procura de novidade, inserem o autor contemporâneo num espaço e tempo comprimidos, onde não é possível
sossegar e deter-se num silêncio consciente. O conhecimento e a confiança no seu engenho, a dedicação, o
talento, a coragem e a humildade, concentradas numa habilidade imaginosa e criativa, não conseguem retirar os
artistas da arena da informação mediática em que factos, não assuntos, casos insólitos, sensacionalismo,
explicações inoportunas, opiniões sem sentido, pontos de vista gratuitos, notícias espetáculo, faits divers,
ocorrências artificialmente apresentadas, prevalecem sem critério. Há demasiado ruído, muito dele vazio de
conteúdo que, tendo grandes repercussões mediáticas, é assunto do quotidiano.Com a ascensão da sociedade da
livre informação, os discursos sociais, políticos, económicos e culturais geram confusão, distorções, avaliações
tendenciosas, críticas desinteressantes e repetitivas, que olham a arte numa perspectiva pragmática, na divisão
entre cultura leve e agitação negocial.

A obra deste artista não se submete às lógicas do mercado, nem à necessidade de elaborar discursos que a
justifiquem e diferenciem das demais, recusando factos e argumentos; estes são as duas faces da mesma moeda;
o mercado da arte, que deseja persuadir e convencer para vender e negociar, está contaminado por
irregularidades de critério e valoração.

Assim, neste momento estranho onde prolifera a imposição de discursos, a obra de Cabral Santo, vagueia
silenciosamente nos interstícios do sistema, acompanhada pelo seu imaginário pessoal, como circuito de
informação paralelo; sem se anunciar alternativo, autónomo, independente ou livre, prefere funcionar como
contrapeso anónimo e discreto, relativamente a esquemas ostensivos de relações públicas, repletos de narrativas
avalizadoras, muitas vezes vagas e imprecisas, sustentadas em textos de leitura e interpretação redundantes.


























Esta agitação informativa, caracteriza o discurso crítico contemporâneo, no qual se deteta um excedente de
palavras e proclamações, declarações multiformes de carácter normativo, julgando e sentenciando obras e
artistas; o trabalho de Cabral Santo liberta-se desses lugares demasiado expostos, para fazer o seu trajeto em
silêncio. Assim, prescinde de relações e compromissos, evitando explicações, descrições, alusões, metáforas,
alegorias, alinhadas numa pretensa necessidade de defender o que produz. As suas frases enunciam-se através de
construções imagéticas frágeis, dispersas e sensíveis que são incrustadas nas peças escultóricas.
Nada funciona como garantia, caução abonatória em favor da autenticidade da intenção do autor; o que se
afirma são mensagens preparatórias da entrada dos artistas numa dura etapa concorrencial e competitiva; o que
se determina no jogo do mercado são afirmações em jeito de apologia, definidas em complexos mecanismos de
quantificação valorativa que, sendo por definição subjetivos e ocultos, ninguém entende.
Neste sistema de soma zero, o artista que vende tem sucesso; o seu êxito no diminuto espaço de oportunidades,
seca tudo, desvalorizando o que não é imediatamente convertível em dinheiro. Ficam relegadas para plano
acessório e até inferior: a dignidade de um trabalho bem feito, pelo simples facto de o ser; o encanto da destreza
do artista, quando habilmente utilizada; a sabedoria e astúcia decorrentes de uma inteligência de ofício; a obra
espontaneamente elaborada, sem programa nem plano definidos, porque não há nada de forçoso a cumprir.

Tendo absorvido a moda e a arte, o termo economia interfere em todas as atividades humanas; economia na sua
origem etimológica, significa tudo o que está fora do domínio da política; atualmente parece ser a política que
está cada vez mais fora da economia. Esta goza de um estatuto de impunidade e domínio, num contexto de
profunda impessoalidade. O cidadão global em constante  movimento, consumidor inveterado e cosmopolita, usa
os factores criativos e inventivos de outros, para reforçar, estender e sinalizar o seu poder.

Tudo o que implica anos de esforço, persistência, coragem, superação e resistência, face a obstáculos difíceis, é
reduzido a um mero valor quantitativo, montante que funciona como incitamento ao consumo. O conhecimento
assente numa prática manual lentamente apreendida e apoiada em aptidões naturais, estimulada por uma
pulsão criativa generosa, é substituída pelo calculismo, urgência e necessidade de se aplicar grandes somas de
dinheiro. Os artistas passam a ser peça do sistema, requisitados e pressionados a dar resposta, sujeitos a
inúmeras solicitações. Muitas vezes, o sucesso alcançado tem mais a ver como estar no local certo, a horas certas.
O sistema obriga os artistas a produzirem sem cessar, ao ritmo da informação; o que significa agir em velocidade,
como sucede na produção de bens de consumo.
Aprender e dominar um ofício, antigamente visto como factor importante, fundamento de legitimação e
autoridade moral, deixou de ser relevante. Já ninguém se sente motivado a expor ou exibir a jovialidade de um
saber fazer natural, aprendido na demora. Não há tempo para tentativas de tentativas, nem para aprendizagens
transmitidas, em práticas de risco, entre errar e não errar. O compromisso da dedicação ao trabalho de
aperfeiçoamento, às vezes arriscado e inseguro, que fizeram prevalecer e subsistir o instinto do artífice, são
negociados e determinados por calendários mediáticos.

Na ótica do mercado, a velocidade das sensações geralmente agradáveis só adquirem relevância, porque
exteriorizadas numa dimensão positiva; as reações têm de ser rápidas e aprazíveis para sobressair o seu teor
pragmático e utilitário; o reconhecimento público-institucional ao serviço da competição e concorrência
participa na disputa pelo sucesso; num mercado limitado  como o do nosso país são poucos os artistas que
conseguem fazer vingar os seus projetos; quem consegue remete para a margem do sistema todos os outros; estes
formam um exército disponível de candidatos aos lugares de topo, mão-de-obra suplente pronta a entrar em
ação.

A avaliação de uma obra estrutura-se segundo a dimensão da procura, o que distorce desde logo os princípios de
uma ética do trabalho que, segundo Bauman, é uma “labuta dura e constante, considerada receita para uma vida
meritória e piedosa, uma regra básica da ordem social”.Quando a apreciação positiva é argumentação crítica,
declarações voláteis, pragmáticas, materialistas, calculistas emensuráveis a favor de determinada obra, essa ética
é deturpada.

Hoje, a obra de arte em vez de ser vista como trabalho é olhada como preço; quando atinge valores inusitados é
notícia, transformando-a num objecto sensacionalista e espetacular. O montante hierarquiza e afirma tanto o
poder de quem a elabora, como o de quem a adquire; ao tornar-se caso insólito, alimenta a superficialidade dos
media; o seu valor funciona como garantia de exclusividade e mais valia. Se os artistas são famosos ,geram
proveito e a sua fama aumenta; nesta relação há uma onda multiplicadora que o transfigura em vedeta; os
artistas entram então num circo mediático global, cuja arte é absorvida pela sociedade de consumo, na satisfação
de adquirir objetos únicos, logo valiosos. A distinção entre objetos úteis e inúteis define as condições da
existência; quem tem maior poder de compra adquire peças mais valiosas e,a o possuí-las, afirma o seu estatuto
diferenciador. O que antigamente gerava respeito e autoestima aos artistas e consideração pelos mecenas, foi
substituído por momentos de glorificação pública: reconhecimento institucional de carreiras e coleções, em
celebrações antológicas ou retrospectivas; manifestações de apreço, transmitidas através de acontecimentos
mundanos e triviais, em festas e socializações intensivas.

A obra de Pedro Cabral Santo encontra os seus fundamentos na simplicidade de processos e materiais, muitos
deles de natureza perecível; numa atitude de recusa face a um sistema que faz valorações quantitativas baseadas
no tempo de vida das obras, o artista mostra-se indiferente, preferindo um caminho solitário. Simultaneamente
reitera ser possível alcançar-se um estado de razoável “felicidade subjetiva”, que depende de valores não
negociáveis. Assim, as suas peças são estranhas a avaliações e quantificações, isto é, insusceptíveis de serem
trocadas numa lógica consumista.

Quem se move na arte contemporânea está sujeito a momentos difíceis e contraditórios; é complicado manter-se
nas franjas do sistema e querer estar dentro dele. A mercantilização intensiva da arte arrasta consigo um
processo altamente intrusivo que se apropriada criação artística, estabelecendo dependências e compromissos;
muitas vezes os artistas aceitam-nos para conseguirem sobreviver; esta cedência representa um condicionalismo
funcional de existência, no qual só os mais conscientes percebem que não têm grandes possibilidades de escolha;
escapar às pressões do mercado, sem contudo sair dele, é difícil; quem quiser sobreviver, com o mínimo de
independência, terá de negar de forma incompleta e parcial, muitos dos seus processos intervencionistas. Se os
artistas cedem à coação do sistema insidioso e abrangente, interferindo até de maneira involuntária nas suas
decisões, entram num presente perpétuo, tempo constantemente atualizado que lhes solicita respostas. O meio é
implacável, pois tanto elege como despromove, tanto age de maneira imediata e autoritária, como se movimenta
de forma subtil e negligente, sem exibições descaradas. Este jogo de ascensão e queda, de competição e
concorrência, exige decisões rápidas, não havendo tempo, nem espaço para se pensar. Perante as dificuldades,
quem não consegue enfrentar os seus ideários estandardizados, não tem alternativa; por outro lado, deixar-se ir
na corrente de modelos comportamentais já testados e formatados, considerados artisticamente corretos,
também não tem futuro. Consentir na fatalidade do facto consumado, modelo de destino definido que a
linguagem, com o seu zelo excessivo de dividir e circunscrever, eufemisticamente impôs, já não oferece nada de
relevante aos artistas. Desistir implicará sempre submissão à positividade dos factos, na falta de clareza de regras
num jogo difícil.


























A obra de Pedro Cabral Santo pode ser entendida como doação, algo que espera reações e se dá ao mundo sem
restrições, nem limites; nela está implícita a esperança de mudar, procurando um mundo melhorem que,
segundo o projeto modernista, a arte seria um dos principais veículos de propagação e uma das dimensões mais
importantes da vida. Julgava-se que a cultura desencadearia liberdade, autonomia e independência, assim como
no sentido crítico. Enquanto oferta genuína exige sempre sacrifícios, tanto para quem doa, como para quem
recebe; a consciência desse sacrifício só se revela muito tempo depois, através de um sentimento difuso de bem
estar e pacificação interior; este apaziguamento implica contemplação e encerra um momento de distância em
que, olhando -separa a frente e para trás, vislumbra-se um trajeto, um caminho percorrido com princípio, meio e
fim. Depois dos inúmeros obstáculos, tem-se a sensação de segurança, de certeza no itinerário traçado entre
passado, presente e futuro; na experiência criativa tudo exige tempo, espaço, esforço e sacrifício; o fácil é
simplesmente inútil, pois não supôs renúncia a escolhas previsíveis; a obra que se deixa moldar por uma lógica
mercantil não possui atrito, rugosidade, negatividade, fricção, razão pela qual é incapaz de suscitar
incómodo...Sem este conteúdo negativista, a obra torna-se uma alienação simplista que facilmente descamba em
cedência e artificialismo.

Nesta época, em que forças do mercado, notoriamente erráticas e imprevisíveis, ditam regras, é oportuno
perceber com critério e atenção as obras de arte, em vez de se falar delas.
Nem tudo o que parece é; refletir sobre o corpo de trabalho de Pedro Cabral Santo é observar de modo diferente.
Imagine-se um cubo, sólido geométrico conhecido; quando se olha, seja qual for o modo de o agarrar, verifica-se
não ser possível verem simultâneo mais de três faces, apesar de possuir seis. Assim, pode concluir-se o seguinte:
não há omnisciência, nem saber absoluto; o visível, representado pelas três faces expostas, mostra-se sob um
fundo invisível. Neste sentido, a obra deve ser lida e interpretada para além do óbvio, podendo cada observador
acrescentar-lhe as suas ideias e contra-ideias. Ao passar esta experiência para a realidade humana, percebe-se
que a presença supõe ausência, enquanto na imanência se pressente transcendência. Ao ser observado, o objeto
artístico deixa em aberto uma parte que lhe foi subtraída, transformando-se ao olhar. A compreensão e alcance
da parte escondida é sempre diferida; conclui-se então que o visível se apoia e se complementa no invisível e este
não é senão uma forma de intuir e reformular o visível.

É a utilização de imagens vulgares o que melhor exibe o distanciamento ético e irónico do artista, face ao poder
tecnológico e à invisibilidade das forças do mercado; a descodificação da obra de Cabral Santo dá-se a vários
níveis, de acordo com o suporte que utiliza e o modo como os associa, e só esta forma de compreensão nos
permite discernir as sobreposições de um trabalho heterogéneo, experimental, lúdico, despojado, simples e cru,
muitas vezes não detetável ao primeiro contacto. Não procurando soluções agradáveis efeitos fáceis, nem atavios
visuais, o autor tece, com um rigor quase científico, visões irónicas e idiossincráticas sobre o mundo, sujeito a um
ordenamento tecno-científico global. Cabral Santo recusa, de maneira indireta, a visão normativa da arte e faz
uma apologia, através da sua liberdade pessoal, da recuperação do espírito de artífice, sentido como direito de
experimentar sem concessões. As suas peças evidenciam uma negação subtil, por meio de abordagens corajosas
num contexto cultural que fomenta cedências e dependências.

Porque razão é hoje difícil, destacar o espírito de artífice? Como resistir neste ambiente adverso? Numa
modernidade sem território, nem projeto, as ideias deixaram de ser construções imaginosas que propunham
modelos de sociedade alternativos; o que se vê, são vestígios de falhanços e de objectivos fracassados. A política
que dividiu o mundo em blocos produziu, apesar das suas fragilidades, uma imagem de totalidade coerente e
compreensível.Com a globalização e o aparecimento da realidade virtual, o mundo estilhaçou-se em infinitas
partículas, criando um sistema híper-produtivo que concentra o consumo no indivíduo; assim, surgiram seres
insatisfeitos, em constante movimento ,ávidos de adquirir bens. O que antes era visto como um todo
minimamente coerente, dispersou-se em manifestações de afã consumista; não há nada nesta sociedade
fracionada que atenue a compulsão aquisitiva de objetos. O mercado incentiva o consumo, num campo de forças
estilhaçadas, alimentadas por interesses volúveis; perante este vazio dialético, os indivíduos estão insatisfeitos e
desejosos de possuir mais. Reunidos numa massa informe ou associados em guetos marginalizados, as pessoas
vivem crises, entre crescimento e recessão. Numa conjuntura instável, em que os acontecimentos são cada vez
mais difíceis de prever e controlar, a arte apresenta alguma estabilidade. Conceitos como civilização,
desenvolvimento, convergência, equilíbrio e consenso, termos fundamentais do pensamento moderno, perderam
sentido, escasseando a esperança e objetivos na busca de um mundo melhor e mais justo. Nesta mudança de
paradigma, a arte assume-se como zona económica segura. Na aleatoriedade do mercado, a obra ainda possui
crédito ético/moral e valor fiduciário; a moral e a ética advêm do seu desacordo face ao utilitarismo dos bens de
consumo. A nova ordem mundial associou a economia à cultura e à arte, contaminando-a com nas suas lógicas
de funcionamento; com a dispersão dos interesses, os jogos de poder centram a sua atenção no fenómeno
aquisitivo, perspectivado enquanto processo de afirmação pessoal e egocêntrico; a acumulação e a exibição da
riqueza são “efeitos” representativos de uma nova elite global que, cada vez menos numerosa, goza de grandes
rendimentos e controla a maioria dos negócios; a arte sempre serviu para sinalizar o estatuto social, económico,
político e cultural, mas, com a globalização, essa tendência agudizou-se.A s distorções e a volatilidade do
mercado, associadas a uma proliferação de dispositivos de informação em rede, fizeram com que a sociedade
democrática desistisse de defender os artistas talentosos e até os verdadeiros empreendedores, pois o mais
importante é gerar lucro; assim, a insegurança, o incerto, o aleatório, o ocasional e a efemeridade, tal como as
condições de mobilidade intensiva, são fatores que promovem o negócio; ao optar pelo precário, pelo liberalismo
económico, pela privatização e pela demissão do Estado na sua função sociocultural, desencoraja-se quem faz as
coisas por si próprio e para os outros. Deste modo, o mundo atual está entregue a forças anónimas e imprevistas
que, operando numa terra de ninguém, não têm objectivos visíveis, nem metas humanamente alcançáveis. Na
“selva automatizada e robotizada” do mundo virtual forma-se um campo impessoal e inculto que serve a força
dominante. O mundo torna-se então, uma versão da natureza pós-domesticada que a modernidade no passado se
propôs dominar; neste contexto as crises e experimentações sociais sucedem-se em regime quase laboratorial;
resumindo, hoje a realidade não gera aprendizagem.

As pessoas estão entregues à sua fraqueza, expostas a sentimentos de impotência e desistência, porque o poder já
não consegue definir normas seguras e constantes; o contingente e o excecional transmutou-se em contradição e
hábito; face a este modelo autotélico de desagregação cultural e humana, o espírito de artífice foi substituído
pelo técnico especialista, produtor e manipulador de estatística.

Ninguém se interessa por aprender e saber alguma coisa, pois todos estão assoberbados com imensos afazeres e
compromissos; a maior parte está confinada a um território donde não pode emigrar; a compressão
espaço/tempo que caracteriza a globalização dispensa ligações e pactos duradouros entre indivíduos, pois nada
pode ser garantido a médio ou longo prazo. Esta insegurança faz com que os sujeitos desistam de descobrir o seu
espaço liberdade que, sendo construída através do outro, sofre as consequências de um mundo cheio de pobres e
gente sem direitos.

A imaginação, estímulo fundamental ao serviço da arte, vê-se violentada, numa avalanche de pequenos nadas;
atualmente proliferam eventos, factos menores, coisas diárias que ocupam a vida; o entretenimento e a diversão
ajudam a descomprimir e escapar por instantes de uma imobilidade claustrofóbica que cansa e deprime.
Conseguir uma saída independente e distanciada da máquina comercial, num mundo sem território tangível e
cujos condomínios fechados separam as pessoas integradas das marginais, é cada vez mais difícil; a noção de
espaço/tempo diferencia-se de acordo com o estatuto das pessoas; quem está fora do muro desloca-se sem
restrições; quem está dentro fica confinado a um território sem saída. As novas elites cosmopolitas e
consumidoras movimentam-se livremente, enquanto os outros, os mais pobres, estão fixados em guetos, bairros
periféricos das grandes cidades, numa vida de rua. Resistir implica enfrentar de forma crítica alienações,
manipulações, mentiras, limitações, confinamentos e isolamentos.

Todos os atos têm consequências e quando se vai contra os acontecimentos é difícil aguentar os efeitos. Ser-se
autêntico implica transparência; o artista tem de recusar expor-se ao poder dos media que funcionam como
promotores de obediência; só desta forma a obra resistirá pela verdade aos véus, cortinas de fumo, nevoeiro,
opacidade dos tablóides informativos. Os jogos mediáticos interpõem-se entre a arte e o observador,
confundindo-o e dificultando leituras.
A arte foi afetada primeiro pela massificação da indústria cultural e posteriormente pela dispersão dos discursos
globais. Qualquer pessoa, por mais bem intencionada que seja tem dificuldades em descobrir vias de acesso para
o conhecimento livre e imaginativo; o mais difícil é criar-se distância quanto às influências da moda e do
mercado. A separação inconsciente face aos interesses em jogo e à indiferença não significa resistência, poiso
objeto artístico foi deformado pelo excesso de informação que o vulgariza e o transforma em coisa utilitária; o
sistema da comunicação em rede anula os efeitos da revelação, isenção, curiosidade e empenho, dimensionados
na vontade de descobrir. Quem perde capacidade crítica face aos condicionalismos do meio, suas ligações
artificiais, jogos de poder e de dependência social e mundana, desliga-se do mundo e tende a desistir; o sistema
uniformiza, homogeneíza, deforma e destrói, impedindo, obstaculizando, dificultando; quem sentir força
interior e pressentir a acuidade da sua intuição e o sentido ilimitado da criação, desenvolve anticorpos naturais
contra medos e cedências.

A obra de Pedro Cabral Santo permite aceder a um espírito peculiar em conflito consigo próprio e com o mundo,
envolvido numa pesquisa de carácter expedicionário, curioso e sensível que perceciona experiências construtivas,
abrangentes e íntimas que são o fruto do seu discernimento pessoal. O seu trabalho reafirma a importância de
um esforço, de uma luta por oportunidades de atingir plenitudes de sentido, num processo de autodescoberta
que realça as qualidades pessoais, face à crescente imposição de restrições limitadoras da livre escolha por parte
de um sistema monotemático.






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