AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO: (Catálogo) Centro Cultural Vila Flor     DATA: Abril de 2016 





A ARTE DE ENGANAR A MÁQUINA

Curiosamente, num livro sobre música encontram-se várias frases que descrevem as fotografias expostas: “Há
ritmos dançantes, mudanças ardilosas de tempo, alarmes e ruídos, cores, momentos evanescentes, enquanto na
realidade mais firme, surgem padrões de máquinas defeituosas, de uma estranheza fantástica...” O excerto
sugere a relação entre som, palavra e imagem. Para muita gente a interação entre os três elementos formam um
todo natural. Esta evidência significa que hoje é difícil ver uma imagem sem texto; ler um texto sem som ou
escutar uma sonoridade sem acompanhamento de imagem - nada existe em estado puro...

No mundo de hoje, saturado de imagens, falta o virtuosismo da fotografia clássica, do tempo em que o homem
estava mais próximo da Natureza. O distanciamento ocorrido atira a imaginação para um presente/futuro, uma
sociedade tecnologicamente evoluída, sustentada por uma cultura pós-biológica onde tudo é comunicado através
da imagem. Esse mundo avançado desencadeia um novo receio: a hipótese de, em revolta tecno-apocalíptica, os
sistemas cibernéticos poderem boicotar o seu próprio funcionamento, criando a necessidade de um recuo
existencial onde tudo volte a ser mecânico ou analógico.


























No caso da fotografia esta eventualidade representaria a sublevação da máquina pela pureza da imagem, isto é,
uma imagem despojada de efeitos. Assim, concretizar-se-ia a velha aspiração utópica de retorno ao paraíso
primordial das ideias, destituídas do poder de manipular; cumprido o imperativo de se reinventar a fotografia
romântica, ao fotógrafo caberia o trabalho de reproduzir o real, liberto da sujeição ao programa do aparelho
fotográfico; processo que condensaria a fórmula simples de resumir a sua arte: o talento de enganar a máquina.
Partindo do princípio de que as máquinas são estúpidas, a práxis do artista seria uma demanda criativa contra as
imposições do aparelho, contra a conformidade, ainda que não se desse conta do alcance dos seus atos.

Na última página do seu livro Ensaio Sobre A Fotografia, depois de uma interessante exposição de ideias acerca
da relação do homem com a máquina fotográfica, Vilém Flusser conclui em síntese: Noutros termos: a filosofia
da fotografia é necessária porque é uma reflexão sobre as possibilidades de se viver livremente num mundo
programado por aparelhos. Uma reflexão sobre o significado que o homem pode dar à vida, onde tudo é um
acaso estúpido, rumo à morte absurda. Assim vejo a tarefa da filosofia da fotografia: apontar o caminho da
liberdade. Filosofia urgente por ser ela, talvez, a única revolução ainda possível.



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