AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO: (Catálogo) Centro Cultural Vila Flor     DATA: Janeiro de 2015 





Talvez o espírito mais não seja que memória e pensar recordar os pensamentos que queremos.     


Nos dez anos de atividade pública, dedicada e ininterrupta do Laboratório das Artes na divulgação da arte
contemporânea em Guimarães, a palavra que vem à cabeça é agradecimento. Além disso, a celebração de uma
década de trabalho evoca ainda o termo acolhimento - haverá modo mais adequado para se exteriorizar gratidão
do que abrir portas? Sobretudo a quem voluntariamente deseja participar num encontro de partilha e comunhão
de ideias.

Dos manuais orientais, aos livros de etiqueta, (entre o Renascimento e o Iluminismo) passando pelas publicações
mais recentes de autoajuda e boas maneiras, o agradecimento, decorrente de uma razão não natural, tem sido
frequentemente tratado nas sociedades humanas. Transversal a toda a prática comunitária, emerge de uma
predisposição genética de o homem honrar, cuidar, acompanhar e dar notícia dos seus atos invulgares, atípicos,
especiais,… que, interferindo com as rotinas quotidianas as vão renovando.O trabalho desinteressado,
voluntário, sincero, humilde, honesto, reveste-se de uma singela exemplaridade, cuja concretização diz respeito a
toda a gente. Neste sentido, qualquer comemoração deve convidar a polis à reflexão que, fazendo a apologia do
valor e simbolismo dos atos edificantes, exprime deferência, apoio e reconhecimento.
Inerente a estas práticas, está um ideal de justiça, o desejo de elevar cada comportamento à categoria de ação
imprescindível, à qual se atribui uma ética de exaltação coletiva. A coragem, constância e perseverança presentes
na evocação são fatores de resistência contra o desgaste do tempo. 

Toda a gratidão precede o acolhimento, cujos contornos se evidenciam na forma como cada um recebe em sua
“casa”, podendo exprimir-se quer nas palavras proferidas, quer nos gestos de ocasião adotados. Esta conduta
condensa subjetivações interrelacionas, expostas tanto na ritualização e disposição dos corpos, como no
conteúdo e enfatização dos discursos, que abrigam uma disciplina, produto de uma construção social.





























Assim, pode concluir-se que há uma infinidade de maneiras de se receber e dar acolhimento. No entanto, urge
ultrapassar-se o tradicional frente-a-frente de todas as homenagens - ritual entre quem agradece e quem recebe a
declaração de apreço, no qual os comportamentos tendem a replicar-se, formalizados numa interminável cadeia
de movimentos socialmente codificados; a individualidade a esbater-se num magma de palavras e gestos
educados; a componente genética, o estatuto socioprofissional, a origem cultural, étnica, racial, a dissipar-se
numa uniformidade indistinta, ao mesmo tempo que o papel atribuído às classes, género, gerações, corporações,
grupos, é temporariamente suspenso. O contacto com o outro, pelo qual quem recebe é responsável, impõe
sinceridade e ausência de mentira, numa prova de respeito e consideração, que se reflete num tratamento
afetuoso de compreensão e encorajamento.

Acolher é aceitar, é concordar, é cultivar uma tolerância saudável, é estimular uma pertença recíproca, é ser-se
igualitariamente solidário. No reconhecimento, exigido pelo facto de ter de se dar as boas-vindas a alguém num
território que formalmente lhe é alheio, existem múltiplos níveis de intensidade. Conforme a conjuntura, (casa,
sede, instituição, espaço público...) assim se determina o grau de abrangência, à qual subjaz uma atitude de
aprovação, concordância e aceitação mútua.

Sem vontade, esforço, ou reflexão crítica sobre a existência humana, a riqueza das construções subjetivas
relativas ao reconhecimento e agradecimento, consome-se invariavelmente em ilusões narcisistas. Sem trabalho
de investigação, recolha, sistematização organizativa e documental, os valores naturalmente ativados pelo prazer
de celebrar, correm o risco de se perder. Na falta de simplicidade e despojamento, as cerimónias tornam-se
rotinas burocratizadas, cingidas à mera ostentação de cortesia; a generosidade é substituída pelo utilitarismo do
espetáculo, que diviniza o brilho mediático - vence a imagem promocional, o marketing e o jogo das audiências;
morre a sensibilidade e o respeito. Instala-se um regime autotélico de sensações behaviouristas, no qual os
indivíduos se recopiam perigosamente em atos e gestos, tornados assunto banal, nas palavras e nas imagens de
todos os dias. Hoje opta-se pelo caminho mais rápido, mais cómodo, mais agradável, mais correto, mais
economicista para se reconhecer o que merece ser valorizado. Tudo se pensa e esquece no mesmo instante e na
mesma velocidade, restando a simetria de uma cerimónia estilizada. As celebrações produzidas em série não
passam de eventos revestidos de visibilidade e meios técnicos que, destacando o aparato e avacuidade dos atos, os
formata, empobrece e priva de sentido.

Haverá sempre quem defenda que nunca como agora se efetuaram planos, pesquisas, projetos, investigações,
descobertas, invenções, o que indicia a existência de pensamento. Tal pressuposto torna impossível negar, em
nome do desenvolvimento, a utilidade ou a importância desse dispêndio de inteligência. No entanto, convém não
confundir a natureza do pensamento aplicado ao planeamento, organização ou gestão de uma empresa, com o
que resulta de uma atitude reflexiva. Quando se organiza, planeia ou gere impõem-se algumas condições,
estabelecidas em função dos objetivos a atingir. Nos atributos do pensamento que planifica e investiga
antecipam-se resultados, previamente fixados.Assente emoperações matemáticas e algorítmicas, aplicadas
aâmbitos cada vez mais vastos, vai-se alargando tanto as possibilidades de medida como os horizontes de cálculo.
Este vai-se complexificando ao sabor das expectativas ou das problemáticas, relevada sem empolgados discursos
de benefícios, vantagens e ganhos de teor economicista. Embora diferente, o pensamento reflexivo não deixa de
usar a dedução. Segundo Heidegger “o pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade. O
pensamento que calcula nunca para, nunca chega a meditar. O pensamento que calcula não é um pensamento
que medita (einbesinnlichesDenken), não é um pensamento que reflete (nachdenkt) sobre o sentido que reina em
tudo o que existe.” Há pois, dois tipos de pensamento, ambos legítimos e pertinentes para o devir da
humanidade: o que calcula e o que reflete, meditando. Convém contudo referir a necessidade de se fazer uma
crítica atenta, ao longo e para lá destas duas estratégias de reflexão.

A celebração dos 10 anos do Laboratório de Artes em Guimarães pretende lembrar o esforço, a coragem, a
generosidade, o empenho e a utilidade da divulgação da arte, distinguindo um trabalho cuja concretização
desencadeou pensamento que medita. Desenvolvendo-se numa comunidade focada no quotidiano, esta atividade
nunca perdeu a ligação com o real, tendo dado a conhecer à cidade e ao país uma praxis alternativa de
divulgaçãoda arte contemporânea.

Na publicação de um documento sobre aatividade do Laboratório de Artes e na exposição de muitos dos artistas
que ao longo destes anos têm colaborado com a associação, viu-se a oportunidade de reconhecer o mérito do
trabalho desenvolvido.




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