AUTOR: IVO MARTINS
EDIÇÃO: Jornal Guimarães Jazz #8 - Câmara Municipal de Guimarães/ Associação Cultural Convívio/ A Oficina DATA: Novembro de 2013
O nascimento de um festival
O desígnio de se criar um festival de jazz em Guimarães foi assumido em 1991 por um grupo de pessoas da Associação Convívio e da Câmara Municipal. A ideia constituía uma novidade, pois não havia evento semelhante em Guimarães. No início, desconhecia-se o modelo a seguir, embora existissem referências tais como o Cascais Jazz, o Festival de Jazz do Porto, extinto alguns anos mais tarde, ou o Jazz em Agosto, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian. Neste sentido, criar a partir do nada, foi um desafio que uniu um conjunto de pessoas, interessadas em divulgarem o jazz, o que na altura representou um propósito bastante arrojado.
Em 1995 o Guimarães Jazz estava na sua 4ª edição e já gozava de apreciável importância, tendo sido uma experiência pioneira fora das cidades do Porto e de Lisboa.
As 1ªs edições e as actuais.
As mudanças são um sinal de sobrevivência, vitalidade e resiliência, sem as quais o Guimarães Jazz teria desaparecido ou perdido a sua força fundadora. No entanto, detectam-se algumas diferenças nas sucessivas fases da sua evolução. Procurámos seguir um caminho de maneira autónoma e independente em relação ao meio e a todos os acontecimentos similares. Princípios que se reflectem no relacionamento celebrado entre a organização, os músicos, os agentes e o público.
As alterações conjunturais têm-nos sido favoráveis. Em 1995 delineámos um alinhamento de acordo com as tabelas anuais dos melhores músicos e discos, publicadas nas mais prestigiadas revistas de jazz. Muitas dessas obras discográficas indicavam os contactos pessoais dos seus autores ou os dos seus agentes. Usando esses endereços, em Março de 1995 tentámos comunicar com eles, tendo enviado vários fax. Como não recebemos resposta, começámos a duvidar da hipótese de elaborarmos o programa com os artistas contactados. Finalmente, em Setembro responderam e nós conseguimos ultimar o alinhamento. A concretização desta ideia representou, na altura, um salto qualitativo na planificação artística. A partir daí, passámos a contactar directamente os músicos, ou os seus agentes, criando e cimentando relações. Difundida a sua identidade, o festival passou a ser reconhecido no circuito do jazz internacional.
A vulgarização do telemóvel e da Internet alargou a nossa rede de informação, situando o Guimarães Jazz no circuito internacional de festivais. Nos primeiros anos, estes dispositivos não eram acessíveis a toda a gente, o que dificultava os contactos e influenciava as decisões de programação. A gradual baixa de preços dos transportes aéreos proporcionou maior mobilidade e presentemente há mais músicos em digressão. Graças à circulação digital da informação, hoje conhecemos com antecedência o calendário das tournées, permitindo-nos diversificar e flexibilizar as escolhas. Como privilegiamos a autonomia e a independência, continuamos a, sempre que possível, contactar directamente os músicos, evitando os intermediários da indústria musical.
O mundo do jazz é relativamente pequeno e quase toda a gente se conhece – mesmo a comunidade jazzística de Nova Iorque, formada por artistas oriundos de diferentes culturas, sabe da nossa existência. A troca de informações é um excelente meio de propaganda – os artistas que vêm tocar a Guimarães levam consigo o festival e a cidade pelo mundo fora.
Apostados em diversificar as propostas musicais, tentámos criar um conceito de festival, cujo perfil se distinguisse; só através da diferenciação se comunica de forma eficaz a sua mensagem e se fundamenta o seu formato. As alterações tecnológicas expandiram os limites das nossas opções e, como já tínhamos debatido internamente o seu impacto, soubemos aproveitar as vantagens da inauguração do CCVF. Se tivéssemos esperado que tudo se alterasse e não tivéssemos feito o esforço permanente de recriar o Guimarães Jazz, as coisas seriam diferentes. Sem termos um plano rigorosamente delineado, fomos modificando a sua estrutura organizativa ao longo do tempo. Pela evolução sofrida nos últimos 15 anos, parece termos conseguido antecipar muitas das transformações conjunturais. Há sempre alguma sorte na concretização de um projecto, porque as mudanças nunca dependem da nossa vontade. Agimos segundo a intuição; sabíamos que podíamos ir num determinado sentido, sem conhecermos em absoluto as consequências dessa orientação. Desconhecíamos o trajecto, mas acreditávamos que o que estávamos a procurar fazer, não era mau. O resto deveu-se a circunstâncias favoráveis que viriam a facilitar a implementação das ideias, acrescentadas ao trabalho já efectuado.
Ainda introduzimos na programação a vertente formativa e as Jam’s Sessions, integrando-as num todo comum e abrangente. Em 2003, inserimos no cartaz uma semana de workshops para jovens músicos e um concerto no qual estes dariam a conhecer tanto o seu talento como os resultados da sua aprendizagem. Entretanto, fomos organizando concertos em vários pontos da cidade, com a participação de alunos da ESMAE. Com o decorrer do tempo, as Jam’s Sessions tornaram-se uma espécie de posto avançado de divulgação, a face mais visível do festival que, fora do mediatismo dos grandes concertos, propicia um contacto mais directo com o público.
História, geografia, urbanismo e cultura – o contexto
Numa época em que tudo acontece rapidamente, se esgota e é efémero, houve espaço para estruturarmos o Guimarães Jazz sem pressas, numa cidade cheia de passado e de história, que nunca lhe foi hostil, acolhendo-o e acompanhando o seu percurso. Apesar de possuir uma identidade muito forte, o perfil urbano de Guimarães é hospitaleiro e a grandiosidade concentrada do seu centro histórico, longe de esmagar o acontecimento, valoriza-o. O festival seria diferente se tivesse lugar numa malha urbana claramente metropolitana, mais homogénea, mais extensa e com mais densidade populacional. Neste caso, não passaria de um momento sem importância, num território impessoal, gigantesco e saturado de oferta cultural. A singularidade de Guimarães contribuiu para a definição do festival, cujo programa ajustado à realidade local lhe permitiu distinguir-se na região e internacionalmente. Quando se respeitam as idiossincrasias de um determinado lugar, a probabilidade de êxito aumenta e a cidade, a região e o país beneficiam. O acontecimento ficou mais rico porque se integrou de forma natural e se expandiu apoiado no simbolismo da cidade. O facto de ter sido capital europeia da cultura criou outras linhas de força no seu quotidiano; a inauguração de novos equipamentos, a ampliação e valorização de outros já existentes e o aumento da oferta cultural, obrigaram o festival a reenquadrar-se e a explorar os novos espaços.
O Centro Cultural Vila Flor
O Centro Cultural Vila Flor mudou o Guimarães Jazz; as instalações adaptadas à realização de espectáculos e a estrutura organizativa tecnicamente apetrechada, optimizaram a sua produção. No anfiteatro da Universidade do Minho, o festival apresentava alguns sinais de estrangulamento e sempre que tentávamos explorar novas ideias, percebíamos a dificuldade de as aplicar; o seu potencial de expansão tinha chegado ao limite; não era possível ir mais longe, porque faltavam apoios técnicos e organizacionais. O CCVF permitiu ultrapassar os sintomas de estagnação. Usufruindo de um maior campo de exploração, o Guimarães Jazz passou a ter uma estrutura profissional em permanência, que responde às múltiplas solicitações de um alargado processo de construção. Estávamos preparados para esta transformação, porque quando nos foram dadas outras condições de planeamento, só tivemos de passar à prática as ideias já esboçadas.
Histórias de bastidores
O backstage é uma espécie de limbo situado na fronteira entre o palco e a plateia, simbolizando o lado invisível do acontecimento. De extrema importância para o bom desempenho do músico, o que acontece nos bastidores constitui um mundo à parte que, por ser inacessível à maioria das pessoas, estimula a sua curiosidade. Poderíamos contar inúmeras histórias sobre as suas reacções perante a cidade, os hotéis, a gastronomia, o comércio, os habitantes, o Centro Cultural Vila Flor, a Associação Convívio…, contudo parece-nos mais oportuno descrever alguns aspectos relativos à componente técnica do Guimarães Jazz.
No que respeita à estrutura organizacional, à competência das equipas e ao seu número de membros, nota-se uma grande diferença entre o que hoje se faz e o produzido no auditório da Universidade do Minho. O CCVF é um equipamento cultural sofisticado, dotado de um corpo técnico permanente que lhe permite apresentar espectáculos nas melhores condições. Nos bastidores trabalha um grupo que monta e desmonta o palco, ilumina, sonoriza, controla o som, a luz, prepara o auditório... tarefas invisíveis, imprescindíveis ao sucesso do evento. A nível da produção faz-se de tudo; há pessoas a apoiar a programação, a acompanhar constantemente os músicos, a resolver problemas técnicos e administrativos. Há ainda quem se encarregue da imagem gráfica do Gjazz e de a comunicar com o exterior (com a imprensa, com o público). Cada exibição exige um esforço coordenado de um conjunto de indivíduos cujo trabalho é essencial à consolidação do evento. Trabalhar para o bem-estar do músico, durante a sua estadia em Guimarães, num regime de dedicação exclusiva, resolvendo-lhe os problemas, mesmo os não directamente relacionados com a sua performance, tem contribuído para o nível artístico do festival e para a sua promoção internacional.
O público e a perspectiva crítica de quem organiza.
Compreender o que leva as pessoas aos concertos é fascinante. O público é uma entidade insondável, a soma de muitos impulsos individuais. Comprado o bilhete com algum tempo de antecedência, no dia e horas marcados, deixa os seus afazeres para assistir ao espectáculo. A maior parte destes indivíduos age com discrição, não fala a não ser com amigos ou conhecidos que eventualmente encontre. Uns minutos antes do seu início, dirige-se ao auditório e quando se senta transfigura-se num colectivo homogéneo e poderoso; quando gosta da actuação, manifesta-se em bloco, de forma exuberante, aplaudindo. Esta presença surpreende-nos, porque em Novembro os dias não convidam a sair – ou chove ou está frio - e, apesar disso, há quem se disponha a abdicar do seu conforto. Um ano depois, quando voltam, confirmamos a sua satisfação pelo modo como se deixam seduzir pela música.
O diálogo com o festival faz-se sem palavras e talvez seja melhor assim, pois uma certa distância relativamente ao que nos rodeia estimula a visão crítica dos factos. O distanciamento não é perspectivado enquanto separação ou quantificação do espaço, mas como saída abstracta e subjectiva do centro para a periferia do acontecimento, como uma espécie de linha de fuga, permitindo observá-lo do lado de fora. Este afastamento potencia a nossa capacidade de sentir o fenómeno e facilita a sua avaliação. Estar quase anonimamente no meio das pessoas, ao mesmo tempo próximo e longe delas, ajuda-nos a interpretar os resultados e a fazer um balanço rigoroso do que planeámos e concretizámos. Só se pode fazer leituras fiáveis, quando se tem a certeza de que o público pensa e age com autonomia; o seu comportamento é mais autêntico porque não é influenciado. Ser-se organização implica não se ser público; a condição de programar não deixa fruir o momento, segundo essa óptica. Estar do lado de cá do pano faz-nos experienciar cada instante de modo diferente, embora sentados na plateia. Trocamos o estatuto de público pela possibilidade de desfrutarmos da sua presença.
As Jam’s Sessions.
Nos primeiros anos, as Jam’s Sessions não existiam com a regularidade, extensão e simbolismo actuais. Ocasionalmente, alguns músicos reuniam-se no bar da Associação Convívio, tocando pela noite fora. Embora interessantes, estas reuniões não faziam parte do programa. Como tinham um enorme potencial, quer relativamente à divulgação do jazz, quer ao poder de atracção e de sedução do público, em 2003 começaram a constar do cartaz, como momentos de improvisação informal, abertos a todos os artistas. Além de permitirem uma maior proximidade entre estes e público, estes momentos estendem física, temporal e musicalmente o festival para lá dos concertos principais e promovem interacção entre instrumentistas jovens e consagrados, mostrando o jazz na sua expressão mais genuína. A programação destas sessões foi tardia, só 12 anos depois do arranque inicial, e a sua materialização lentamente aperfeiçoada. Na sequência desta decisão, achámos oportuno contratar figuras conceituadas de forma a lhes conferir a este espaço de celebração uma ainda maior importância e visibilidade. O que acontecia de forma ocasional passou a ser feito regularmente; criaram-se novos hábitos e outras formas de contacto com a música, prolongando-se assim a sua fruição. A essência do jazz, que deve ser tocado ao vivo, de forma livre, descontraída e até com um certo espírito de competição, é incarnada pelas jam’s, já tornadas tradição.
Não estando vinculado à escrita musical, o jazz vive essencialmente da improvisação. Esta criação em tempo real é uma abordagem a ser feita em palco e ao vivo, de forma a transmitir a sua matriz original; assim, as jam’s, uma das facetas mais mobilizadoras do acontecimento, acabaram por o complementar e reforçar – surgem como instantes intensos, espontâneos e genuínos, além de representarem oportunidades de exibição para muitos jovens. Estas sessões promovem encontros de artistas de diversas tendências, contactos entre os menos experientes com outros mais conhecidos e a possibilidade de se voltar a ouvir, num contexto diferente do do grande auditório do Centro Cultural Vila Flor, muitos dos músicos aí apresentados.
O aspecto educativo
A dada altura soubemos da existência de subsídios oficiais para acções formativas e decidimos aproveitar a ocasião, introduzindo no Gjazz uma componente pedagógica. Até aí ausente, a formação passou a ser um elemento essencial do cartaz, pois representava o ensejo de cativarmos jovens, que assim teriam oportunidade para aprender, tocando. Os apoios disponibilizados ajudaram a trazer a Guimarães músicos residentes que, além de leccionarem, dirigem as Jam’s Sessions.
O festival não tem vocação educativa, nem pretende dirigir sensibilidades; é uma espécie de entidade mediadora, através da qual as pessoas se aproximam da música e do jazz, cumprindo nesse contacto a sua finalidade. Procuramos informar, isto é, usamos estratégias de sedução, esperando que, depois de cada um ter experienciado e apreciado a sua singularidade e beleza, passe a ouvi-lo regularmente. As Jam’s Sessions organizadas num bar, local de acesso ilimitado, reiteram essa a intenção. Não desejamos direccionar o gosto de ninguém, mas criar uma atmosfera que desperte curiosidade e favoreça experiências. Não temos qualquer objectivo didáctico, usamos processos de atracção e de aliciamento muito simples, como mecanismo de divulgação. As Jam’s são um excelente estratagema de captação, assim como as workshops são um óptimo meio de fomentar e consolidar aprendizagens. O festival funciona como corpo dinamizador para o futuro, cujo programa prevê a participação de jovens instrumentistas nos concertos das actividades paralelas, nas Jam’s Sessions e na preparação de um espectáculo durante oito dias com outros mais experientes. Os mais novos, ainda em formação, têm o seu próprio espaço de intervenção, porque lhes é dado o ensejo de assistir aos concertos, de tocar nas Jam’s e numa Big Band, integrando as acções formativas. Compete-nos divulgar o jazz, desencadeando estímulos e fomentando o ensino, criar pontos de confluência, oportunidades de contacto, momentos decisivos que incentivem o abraçar de uma carreira. Hoje, a Escola de Jazz do Convívio, com cerca de 40 alunos no seu primeiro ano de funcionamento, prova o interesse numa aprendizagem que siga um plano anual de estudos e não se circunscreva à duração do Guimarães Jazz.
A formação institucionalizada no Jazz
No início da história do jazz, uma parte considerável dos músicos era autodidacta. A necessidade de sobrevivência obrigou-os a aprender música, porque um bom instrumentista que soubesse tocar em qualquer contexto tinha mais hipóteses de encontrar trabalho. O domínio dos diferentes estilos e géneros passava pelo conhecimento das convenções e da escrita musical. Os mais solicitados eram os mais versáteis, os que melhor se adaptavam à multiplicidade de fórmulas musicais. Esta versatilidade e exigência deram origem à reputação e universalidade do jazz, tendo ajudado a diversificar a sua linguagem. Mais tarde, conceptualizado e intelectualizado, levou os artistas a resolver questões de ordem estética relacionadas com a interpretação.
Alicerçado na improvisação, é um processo de criação em tempo real, com muitos anos de tradição. Face aos avanços tecnológicos deve manter-se a sua componente espontânea, defendendo a relação estímulo-resposta, na qual a improvisação se estrutura – por ser intuitivo e sensorial, esta interacção constitui um imperativo ético de identidade. O improvisador enfrenta o desafio de ter de apresentar soluções criativas em cada instante da sua actuação – a autenticidade deste procedimento representa um sinal de originalidade e uma garantia de qualidade. Ele tem de, a partir de um determinado tema, improvisar, à margem de qualquer imposição estilística ou conceptual, um conjunto de novas frases musicais, sequenciando-as de acordo com a sua liberdade – cria-se porque se age em liberdade.
A escola surgiu nesta corrente evolutiva, como aprendizagem sistematizada, tendo sido abertos cursos superiores em diversas universidades. Esta institucionalização alterou os fundamentos práticos e teóricos da arte da improvisação e hoje muitos jovens são capazes de tocar vários estilos, graças à cultura musical aprendida. A formação académica pode trazer vantagens e desvantagens a esta arte; abrevia o tempo de assimilação e beneficia a técnica de execução. Alguns artistas podem ser excelentes executantes, no entanto, as suas sonoridades não são inéditas, pois limitam-se a usar fraseados já tornados conhecidos. A sua prática não reflecte senão uma sólida assimilação racional, assente na memorização, faltando-lhe criatividade. Por vezes, a escola uniformiza técnicas e formas de pensar, submetendo os artistas a formatos rígidos e estandardizados. A sujeição a uma lógica exclusivamente académica pode prejudicar a evolução artística de qualquer músico.
O músico actual vive dividido entre a dificuldade de conciliar o conhecimento veiculado pela escola e a necessidade de criar livremente – o ensino deve ser um complemento do seu talento natural, estimulando a espontaneidade que lhe vai permitir evidenciar a sua individualidade.
Os artistas nacionais e estrangeiros.
O cartaz é essencialmente preenchido com músicos estrangeiros, o que não significa falta de consideração pelos nacionais. Em 22 edições foram apresentados cerca de 52 projectos que contaram com a participação de mais de 100 instrumentistas portugueses. Nos primeiros anos, o panorama do jazz em Portugal era diferente; havia menos músicos em actividade e o festival reflectia essa realidade. O nosso empenho em minorar os efeitos deste défice, levou-nos a explorar (de 1999 a 2004) um conceito de Big Band, no qual participavam portugueses e estrangeiros, dirigidos por um prestigiado director de orquestra. Após vários dias de ensaios, o colectivo subia ao palco com uma proposta musical, exclusivamente produzida para o Guimarães Jazz. Em 2004, esgotadas as possibilidades de inovação, avançámos com outro projecto, aproveitando a experiência adquirida e a cooperação da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto. Muitos alunos desta escola participavam regularmente nas acções de formação e tocavam em diversos locais de Guimarães. A partir desta colaboração, desde 2005, temos vindo a desenvolver uma nova ideia de Big Band, formada por instrumentistas da ESMAE que, depois de alguns dias de ensaio, se apresentam em concerto, no final da primeira semana do evento. Em 2012, estiveram, pela primeira vez em palco, uma Big Band e um ensemble de cordas que incluía mais de quarenta elementos. Sublinhe-se a importância desse instante para o jazz português, por tal experiência artística ter facultado a interacção entre jovens instrumentistas, provenientes de diferentes universos musicais (jazz e erudita).
Desde 2006, o Guimarães Jazz tem concebido, com a marca portuguesa de discos TOAP (Tone of a Pitch), uma série de concertos que, depois de gravados, são editados em CD, contando basicamente com artistas portugueses em interacção com músicos estrangeiros. Este registo pretende documentar alguns momentos do festival e apoiar a criação musical; desta forma, reúne-se um espólio discográfico relevante para memória futura, e promove-se a cena jazzística nacional.
O jazz feito e escutado no nosso país não deve ser menosprezado, porque nada existiria sem o trabalho dos músicos, nem o interesse do público. Gostaríamos de pôr em palco mais projectos nacionais, mas como a configuração do programa traduz o acordo com ele estabelecido, uma mudança radical neste pacto poderia desmotivá-lo e suscitar vários equívocos e erros de interpretação. Se tal viesse a acontecer, seria necessário justificarmos esta transição para garantirmos a sua anuência. Temos de salvaguardar os interesses das partes envolvidas, porque a falta de afluência prejudicaria essencialmente os portugueses.
O jazz em Portugal tem mudado nestes últimos anos e actualmente, há muitos jovens promissores a tocar, o que nos poderá levar a questionar o papel do Guimarães Jazz e a ter de reflectir sobre o seu futuro. A situação económica e social do país tem provocado o desaparecimento de diversos festivais, embora não se verifique uma diminuição no número de concertos, principalmente nos grandes centros de Lisboa e Porto. Há já um número considerável de músicos de jazz em Portugal, que tende a multiplicar-se, podendo no futuro traduzir-se em mais conhecimento e mais massa crítica. O festival terá de acompanhar o fenómeno e de lhe dar a melhor resposta.
O festival e o panorama europeu
Abrangendo todos tipos de jazz, do mais radical ou extremo, ao mais tradicional ou antigo, perguntamo-nos se, numa época em que a especialização é um requisito de integração, o Guimarães Jazz prefigura o melhor modelo de afirmação e sedução do público. Mediante as reacções obtidas acreditamos ser este o método mais eficaz de difusão. Ao longo das suas edições, temos apresentado todas as formas e estilos musicais, pelo que não pode ser visto como um acontecimento temático, fechado numa tipologia, num estilo, num género, numa categoria específica... circunscrito e direccionado para a satisfação de um grupo restrito de seguidores. Apesar da passagem dos anos, das alterações conjunturais, das modificações do contexto, da evolução nos processos de comunicação e da consequente facilidade de acesso à música, o festival mantém intactos os seus traços distintivos e conceitos fundadores. Face às profundas mudanças ocorridas nos hábitos sociais e no consumo das sociedades contemporâneas, enquanto bloco de momentos concentrados em dez dias de jazz intensamente vivido, a plataforma tem conseguido corresponder às expectativas do público, cujo valor de confirmação se reflecte na sua presença assídua.
Durante estes anos em que alguns festivais desapareceram e outros foram criados, o Guimarães Jazz tem mantido a sua energia aglutinadora. Nos anos 50 já existiam nos Estados Unidos, certames prestigiados, como o de Newport. Sendo uma referência fundamental na história do jazz, o seu formato viria a exercer grande influência sobre o Cascais Jazz, iniciado em 1971. As características sociológicas da época tornaram-no um caso sui generis, porque, organizado sob o regime ditatorial, assumiu-se como acção de protesto. O Cascais Jazz simbolizava uma postura anti-sistema, que por noite, levava 15 000 pessoas a encher um pavilhão gimnodesportivo, sem grandes condições acústicas. Não era só frequentado por conhecedores ou especialistas, mas também por outras pessoas que, motivadas por diferentes interesses, aproveitavam para se juntarem e falarem das suas vivências, ouvindo uma música com um inegável passado de contestação e de irreverência. O Guimarães Jazz segue o paradigma do Cascais Jazz, no que concerne à relevância dada aos artistas norte-americanos, contrariamente ao típico festival europeu, mais apostado em apresentar músicos deste continente.
Procuramos praticar uma fórmula de divulgação, que irradia uma apreciável tensão mobilizadora, preservada ao longo da sua existência, pelo interesse das audiências. Apesar da internet, dos iPods, dos mp3, dos discos, meios de comunicação em geral, nos quais o acto de fazer música surge desligado do momento da sua execução, não notamos uma quebra na afluência. Hoje em dia, a facilidade de acesso à música banalizou a sua audição - os equipamentos tecnológicos permitem ouvi-la em todas as condições e em todos os lugares, nas salas de espera, nos restaurantes, nos elevadores, na rua … Também se assiste a uma disputa pela ocupação do espaço sonoro disponível, segundo uma lógica concorrencial, num mundo onde as pessoas são bombardeadas com sonoridades de qualidade duvidosa. Os ouvidos estão sujeitos a uma multiplicidade de estímulos, restando pouco espaço para se escutar com atenção; este ambiente saturado de sons não permite racionalizar, nem assimilar as particularidades estéticas dos conteúdos. Assim, torna-se difícil realizar livremente uma busca sensível sobre determinada obra, entendida como consequência natural da necessidade de se procurar satisfação. Entre muitas coisas, a música cruza-se rapidamente pelas pessoas, a uma velocidade que gera sentimentos contraditórios de rejeição e atracção, causando adesões efémeras, descartáveis e voláteis. Embora numa conjuntura instável, dominada pela velocidade e pela novidade, sofrendo a inevitável exaustão do campo sonoro circundante, o festival não perdeu a sua identidade representativa, continuando a ser empolgante trabalhar-se na sua construção.
Para que um acontecimento se perpetue precisa de tempo. Quando se vive numa sociedade onde se quer tudo muito depressa, no agora e no instante imediato, o sucesso é tão veloz, como volúvel e efémero, exigindo de nós um trabalho contínuo de adaptação e ajustamento. No mundo da imagem e da comunicação o que não tem impacto mediático, não existe. O tempo garante solidez a tudo o que se faz e, apesar disso, as pessoas recusam a consistência proporcionada pela regularidade das experiências lentamente assimiladas, optando por rumos apressados, fictícios e incertos.
Surpresas
Organizar um festival, implica algumas surpresas, sobretudo quando a sua história é já longa. Fala-se do Guimarães Jazz em muitos sítios, muitas vezes bem distantes da cidade. Ao fim de 22 anos, temos uma noção aproximada da sua dimensão e do seu impacto no exterior. Contudo, não ter a ideia exacta do que ele representa, em termos mediáticos, aumenta a nossa responsabilidade.
O espectro da influência
O festival é um organismo vivo, absorvendo e desencadeando mudanças. Enquanto organização, também somos sensíveis aos sinais emanados das pessoas e tentamos ir ao encontro das suas expectativas; recolhemos informações dos músicos, assim como dos jovens que participam nas acções formativas e seguimos com atenção o desenrolar dessas actividades. Diligenciamos as melhores condições no sentido de o público se sentir bem. Muitas coisas acontecem nas duas semanas do Guimarães Jazz, obrigando a um enorme esforço na coordenação de meios e recursos. Tudo é importante, dos pequenos detalhes às grandes decisões; um pormenor pode determinar o êxito ou o fracasso e condicionar uma opinião. No ano passado, um conhecido músico de Barcelona, teve a oportunidade de assistir ao concerto da Big Band e do ensemble de cordas da ESMAE (envolvendo quatro dezenas de jovens) e confessou que, tendo tocado em muitos festivais, nunca vira um projecto musical com idênticas características.
Gerir um festival em tempos de crise.
Neste momento, o festival tem atrás de si uma longa história, encontrando-se bastante produzido em termos de conceito. Desde a sua estreia foram-se construindo e aperfeiçoando actividades de diversa natureza, cujo objectivo é divulgar o jazz, atraindo o maior número de pessoas. O grupo heterogéneo e multifacetado que regularmente assiste aos concertos e às Jam’s Sessions legitima o acontecimento, que tem na música a sua essência. Os músicos são tão relevantes quanto o público, incorporando a face visível e identificativa do acontecimento, através da qual a sua imagem se propaga.
Com o passar do tempo, a cidade de Guimarães foi-se sensibilizando e hoje está muito comprometida com o evento. Os concertos no grande auditório do Centro Cultural Vila Flor, as Jam’s Sessions e as várias actividades formativas são actualmente as três grandes linhas de orientação do Guimarães Jazz, formando uma estrutura complexa, tecnicamente apetrechada. A maneira como cada uma destas linhas se dispõe tem permitido espalhar pelo país e pelo estrangeiro o perfil do festival. Este divulga uma música singular e universal, apresentando a obra de músicos prestigiados, tendo em conta os movimentos de estilo e as diferentes perspectivas do jazz contemporâneo, produto de uma evolução ocorrida ao longo de mais de um século. Apoiado por uma máquina organizativa profissionalizada, possui uma forte componente técnica, que assegura a sua produção. Apesar de ter passado por alguns momentos difíceis, cresceu e consolidou muitas das suas experiências, sem nunca perder a adesão do público. Neste momento não é possível prever se a difícil situação económica que o país atravessa o vai prejudicar. Espera-se que tal não aconteça, mas se tivermos de alterar a afectação dos recursos e de redefinir o seu perfil, existem todas as condições para esboçarmos, de forma sensata e equilibrada, um novo modelo de programação. O tempo já decorrido, o caminho percorrido e todo o trabalho até agora realizado, garantirão a sua reformulação eficaz. Não estando imune às dificuldades do meio cultural, nem da conjuntura social e económica, o Guimarães Jazz reúne conhecimentos e aprendizagens que assegurarão a sua continuidade. Em todas as circunstâncias e dada a sua dimensão e significado, encontrar-se-ão soluções no sentido de manter intacta a sua identidade. Porque representa muito para a cidade e porque esta é mais sensível ao seu estatuto, o festival sobreviverá a todas as eventualidades, mesmo às mais adversas.
O gosto na arte – as políticas da escolha
Há muitas variáveis a ter em linha de conta quando se escolhe um determinado músico e o modo como estas se conjugam pode influenciar a decisão. A preferência de um instrumentista é uma expectativa, uma aposta e, neste sentido, prefigura sempre uma certa dose de risco. Algumas situações condicionam as nossas escolhas, pelo que para as compreender será necessário fazer uma breve resenha do percurso logístico do Guimarães Jazz.
Nos primeiros anos, o festival teve lugar em vários espaços até se fixar no anfiteatro da Universidade do Minho, uma sala de 300 lugares, com algumas limitações técnicas. Hoje, os concertos apresentam-se no Auditório do Centro Cultural Vila Flor, infra-estrutura concebida para acolher espectáculos de grande dimensão, tecnicamente equipado e com uma lotação aproximada de 800 lugares. Em 2012, inaugurou-se a Plataforma das Artes, cuja sala acomoda 200 pessoas, podendo exibir alguns dos concertos. Em 1995, o Guimarães Jazz dispunha de um orçamento ajustado à sua dimensão e era organizado por um reduzido grupo de trabalho, no qual primava um espírito de companheirismo, voluntariado, militância e, necessariamente, algum amadorismo. A partir da inauguração do CCVF a sua produção é assumida por uma equipa profissionalizada. Graças à evolução tecnológica, aos avanços da comunicação, da imagem e à melhoria das condições logísticas foi possível explorar de maneira diferente a sua vertente artística, repensando o cartaz e acabando por alterar o perfil do festival. Seleccionar um músico para uma sala de 300 lugares, ou para tocar num auditório de 800 corresponde a uma alteração radical das circunstâncias, obrigando-nos, por isso, a ponderar novos critérios de programação.
Os ajustamentos temporais são também importantes. Os dias em que decorre o festival estão fixados há muito tempo e o desenho do seu alinhamento depende do facto de haver coincidência entre o calendário do festival e a agenda das digressões. Uma figura importante da história do jazz não aceita vir a Guimarães (ou à Europa, no caso de artistas norte-americanos) propositadamente para fazer um único espectáculo, porque tem inúmeras solicitações e só se desloca de acordo com uma planificação definida pelo seu agente. A contratação de um músico é precedida de um trabalho de acerto nas datas e de uma avaliação do impacto nos custos. Cada escolha decorre assim de um sentido de oportunidade e de uma intensa negociação, o que por vezes complica a finalização do acordo.
Com o passar do tempo, o Guimarães Jazz tem vindo a adquirir um maior reconhecimento internacional e este estatuto facilita os contactos, que se fazem de diversas maneiras: desde o contacto directo e pessoal com o músico, passando pela proposta enviada ao seu representante ou agente, até ao convite de uma orquestra, que acompanhada do artista pretendido, funciona como intermediário na negociação - alguns músicos colaboram regularmente com Big Band’s europeias, sendo convidados como solistas, a apresentarem as suas composições com arranjos para orquestra.
A experiência acumulada, assim como o conhecimento antecipado do calendário das digressões têm permitido planear, com um ano de antecedência, os espectáculos de cada edição. Funcionando em cadeia, os detalhes anteriormente enunciados são elementos decisivos nas nossas orientações, exigindo uma gestão cuidada das suas especificidades: a oportunidade de se aproveitar a disponibilidade de um instrumentista em determinado momento; a capacidade de se tirar partido da informação adquirida; a descoberta de soluções apropriadas à resolução de imprevistos. Só assim atingimos um elevado nível de coesão entre o gosto pessoal de quem programa e o que o público quer ouvir. A sua participação é um tópico essencial de reflexão. Entendemo-la como uma solicitação, ainda que inaudível, e não como a aceitação passiva das nossas escolhas. Interpretamos o termo solicitar como um meio de materializar um desejo e pela afluência aos concertos, constatamos que as expectativas não têm sido defraudadas. O número de bilhetes vendidos é um parâmetro de quantificável de avaliação, e pode ser entendido como um barómetro de aprovação e de satisfação, através do qual confirmamos a pertinência de cada cartaz.
Embora reconheçamos a influência de factores externos, em cada opção artística existem aspectos de teor subjectivo, que relevam o “gosto” individual de quem decide. Apesar da predominância desse “gosto”, impossível de ignorar ou de contrariar, há outros valores que funcionam como contrapeso à unilateralidade da escolha, ajudando-nos a ir ao encontro das expectativas do público. Pela análise da sua movimentação e reacção, assim como pelo nosso empenho em encontrarmos pontos de confluência de motivação e interesses, conseguimos minimizar o carácter pessoal do acto de programar.
Pretendemos alcançar um equilíbrio harmonioso entre as diversas propostas inscritas no alinhamento, evitando repetições, de maneira a que esta configuração não seja uma sucessão de momentos iguais, pouco estimulantes. Não queremos dar a conhecer músicos ou trabalhos, apenas pelo facto de serem importantes; terá de haver em cada concerto uma validade estética que o sustente artisticamente. O programa não pode ser uma lista de ofertas musicais a terem lugar nos dias marcados, seguindo uma ordem mais ou menos aleatória. O festival preconiza a divulgação do jazz, pelo que deve reflectir a pluralidade das suas tendências estilísticas, de modo a satisfazer audiências heterogéneas nos seus gostos, englobando gente profundamente conhecedora e esclarecida, e indivíduos pouco ou nada familiarizados com as particularidades desta música. Recusamos uma lógica populista de subordinação ao estrelato, que aposta na exibição das grandes vedetas (radicais ou mainstream), o lado mais mundano de um sistema assente no culto da “personalidade”. Também o facto de querermos tornar o programa mais apelativo nos leva a evitar repetições. Um cartaz equilibrado deve apresentar propostas musicais distintas e diferenciadas em número de músicos e no tipo de instrumentos usados.
O público é a peça móvel do acontecimento. Os concertos estabelecem uma conexão o mais abrangente possível com as pessoas. A preocupação com os outros não traduz uma cedência a valores estranhos à qualidade artística. É natural que queiramos agradar, desde que não negligenciemos esses requisitos. Porque não acreditamos que o festival possa ou deva fidelizar o seu público, estamos à vontade para agir desta maneira. Fazer coincidir as nossas escolhas com as sensibilidades, sem esquecer o nível artístico, é uma forma de encorajar as audiências a definirem o seu próprio percurso. Procuramos encontrar com elas um compromisso informal e espontâneo, renovado anualmente e entendemos a sua presença como sinal de aprovação. Respeitar o gosto dos outros responsabiliza-nos ainda mais. Há sempre um risco inerente a cada opção, pois nada está garantido quanto ao sucesso de um concerto. Nem sempre os que parecem ser os melhores se confirmam em palco. Mesmo prevendo que, face à sua importância, um músico é bem recebido, somos moderados no entusiasmo e habitualmente cautelosos a antecipar a reacções. Julgamos que esta é uma atitude razoável e sensata, porque promove uma relação de autonomização e reafirma a ausência de manipulação. Desejamos conhecer o público e com ele estabelecer um relacionamento construtivo, adquirido livremente e sem dirigismos de opinião. Para que este fim se concretize, as pessoas devem exprimir-se sem limitações, nem constrangimentos, manifestando o seu agrado ou desagrado. Esta apreciação tem de ser espontânea, liberta de tensões, resultante de uma reflexão cuidada e de uma emoção sinceramente sentida e não de uma avaliação dirigida. Enquanto organizadores não devemos interferir no gosto individual, nem nos juízos de valor de quem assiste aos concertos; procuramos dar lugar à livre exteriorização de sentimentos, sem pressão de interesses, nem retórica de discursos persuasivos. Não nos compete dizer o que está certo ou errado, tão-somente disponibilizar a música, dando espaço às melhores interpretações críticas, favoráveis ou desfavoráveis.
A música como matéria de exploração
A música e o jazz são áreas que se influenciam e confundem muitas vezes, se bem que digam respeito a realidades diferentes. É evidente que quando se ouve jazz, se escuta música e quando se faz um festival, promove-se também o gosto pela arte musical. Neste sentido, o Guimarães Jazz cumpre uma dupla função; divulga o jazz, e estimula o interesse pela música. Durante os primeiros anos, foi difícil de estabelecer a fronteira que separa estas duas esferas, confundindo-se frequentemente o jazz e a música popular ao propor cruzamentos menos óbvios e mais arriscados entre estilos e linguagens diferentes. Hoje a diversidade e a dispersão dos estilos tornam redundantes classificações e identificações; a maior parte das pessoas movimenta-se no mundo da música de maneira descomprometida, sem preferência declarada por qualquer tipo ou estilo. Porque a melhor maneira de desenhar o festival passa pela compreensão e descodificação da ambiguidade desta conjuntura e pelo carácter volúvel das sensibilidades, não lhe queremos dar uma orientação estilística exclusiva. Se agíssemos em sentido contrário, isso equivaleria à restrição na acessibilidade e o nosso principal objectivo é o de desenvolver uma fórmula que desperta curiosidade e interesse pela música enquanto matéria de exploração, tanto a um nível pessoal como transpessoal.
Nota final: este texto teve como base uma conversa com a jornalista Maria Antónia Rocha Peixoto que, colocando-se no papel de um “espectador imaginário”, levantou uma série de questões cuja abordagem nos pareceu oportuna.