AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO: (Catálogo) Centro Cultural Vila Flor    DATA: Abril 2013 





Pedro Portugal é, talvez, de entre os artistas da geração que irrompeu no panorama artístico português dos anos
80, aquele cuja obra, apesar de amplamente reconhecida tanto criticamente como institucionalmente, se
encontra, hoje, pouco documentada e analisada. Esta exposição tem, portanto, como principal intenção dar um
contributo para desfazer este paradoxo, tentando preencher uma importante lacuna. Com este projecto,
necessariamente incompleto, e sem se usar uma estruturação retrospectiva, pretende-se criar processos de
orientação e de leitura dentro de um corpo de trabalho multifacetado, evitando-se o recurso fácil à
sequencialidade cronológica ou à linearidade narrativa, propondo-se um contacto visual mais poroso e
interpretativo entre os diversos trabalhos que compõem uma rica cartografia simbolista.

Um olhar amplo e abrangente pelo percurso artístico de Pedro Portugal traz à evidência duas características
fortes. Em primeiro lugar, é possível constatar a existência de uma dimensão lúdica e irónica, um ponto de união
partilhado com os artistas que com ele fundaram o movimento “Homeostético”, no qual a ironia e o humor são
estratégias de actuação crítica com intenções iconoclastas e subversivas inseridas num impulso urgente de
questionar códigos culturais considerados esgotados de valor e destituídos de capacidade de inscrição no corpus
societal e político vigente. O cepticismo será a melhor abordagem de identificação para entender aquela que é a
segunda característica marcante do conteúdo discursivo crucial em Pedro Portugal. No trabalho deste artista, o
recurso ao jogo e ao elemento cómico desdobra-se numa alusão constante ao signo e ao símbolo, numa
circularidade incessante entre a visualidade e a linguagem, entre a representação e o significado. Estes processos
de circularidade e de relatividade interpretativa, que acontecem incessantemente por detrás da obra, conferem-
lhe uma grande mobilidade visual e abrem-na para a possibilidade de uma liberdade quase total de movimentos
- o símbolo permite-lhe, ao mesmo tempo, abrir-se e fechar-se ao contexto, num gesto único e, por isso, caminhar
em duas direcções simultaneamente. Este nomadismo entre o conceito e a forma, entre o significado e o
significante, marca a unidade do trabalho deste artista e é visível tanto ao nível conceptual como formal, e daí a
profusa diversidade de meios experimentados - desde a pintura (que ocupa talvez um lugar de preponderância)
passando pela escultura, instalação, design, performance, vídeo art e arte interativa digital.
























Nesta obra, independentemente da sua forma de expressão, tudo se joga e se articula numa relação intuitiva (e
não dialéctica) entre estímulo e resposta a um contexto cultural e social sobrecodificado de símbolos e estruturas
de significado. As estratégias do artista são as da desconstrução, despistagem, citação, manipulação e até de
sabotagem destas narrativas produzidas pelas instâncias de (a)culturalização do poder em todas as suas
declinações e incarnações, centrando-se no modo como elas se inscrevem e moldam em processos cognitivos de
aquisição do conhecimento e formação da consciência. A linguagem como base da percepção assume, portanto,
nestes trabalhos uma posição fundamental e é a partir dela (ou das suas múltiplas correspondências na esfera do
que se pode considerar da ordem do artístico) que se organiza o elemento propulsor do impulso artístico. Se na
materialização deste impulso criativo a componente pictórica é, em Pedro Portugal, fortíssima e incontornável e
está presente nos seus quadros assim como nas esculturas e nas instalações, é porque o artista assume o princípio
de que a organização das narrativas, hoje mais fragmentárias e compósitas que nunca (e talvez por isso o artista
erga painéis interactivos, repetindo imagens das suas pinturas, desenvolvendo novos enquadramentos em
representações móveis, recriando quadros autónomos montados num conjunto passível de se recompor e
reconfigurar), se podem estilhaçar em mil pedaços e deslocarem-se por caminhos múltiplos que confluem
irremediavelmente para um mesmo centro aspirador do significado, para um vórtice que é signo - mesmo
quando este está descentrado e desterritorializado, abstratizado e geometrizado, estilizado e trazido para o
território da representação pura, onde talvez encontre o seu sentido primordial.






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