AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO:
Jornal Guimarães Jazz #4 - Câmara Municipal de Guimarães/ Associação Cultural Convívio/ A Oficina     DATA: Novembro de 2009 





Distorcer a interpretação do meio dominante, tendo em vista o agenciamento
de espaços em branco susceptíveis de permitirem a criação de um imaginário próprio.



Navegação interpessoal por um labirinto intimista (1)


Se passar  o olhar pela música desde a sua origem até ao momento presente enquanto processo de mimetização dos sons da natureza, entende-se como ainda hoje se mantém actualizada essa ideia de descoberta inicial das possibilidades de manipulação do som, num percurso incessante que parte do aleatório para a constituição de sistemas e daí para as tentativas de ruptura e fuga relativamente às suas regras e convenções. Cento e cinquenta anos passados sobre o aparecimento do Jazz, compreende-se como esta música pode ser considerada a última pedra de uma das estruturas mais complexas construídas pelo homem – o sistema musical. Foram quase dois séculos de actividade artística intensa e ininterrupta sobre a qual pairou na sombra a imensa possibilidade da improvisação como estratégia musical. Sempre existiu, no decorrer da história da música, uma tendência para se estabelecerem novas ideias a partir de formatos musicais já conhecidos e, neste período histórico mais recente, assiste-se à criação de novos territórios de exploração criativa, situados entre as duas margens extremas de uma arte susceptível e aberta aos inúmeros processos políticos de uma multidão sequiosa de mudança – de um lado, os ideais de libertação de uma humanidade em sofrimento e do outro, a necessidade de progresso e de desenvolvimento, apesar de todas as dificuldades e de todos os erros. Esta estranha vontade de criar persiste como parte de um projecto utópico de pendor universalista em busca de um princípio ideal de justiça, algo que acompanha o homem através dos tempos. Os momentos desta imensa invenção artística comunicam entre si e neste diálogo expressam possibilidades de síntese das categorias temporais do passado, presente e futuro, através de cada uma das suas personagens - actores do drama existencial da humanidade que viveu as suas loucuras e os seus medos.

Estamos assim interligados por um fio condutor da memória, algo situado também na fórmula sonora do Jazz que se nos dirige como se existisse a mesma narrativa incessantemente repetida, numa estranha sensação de viagem temporal – uma navegação interpessoal por um labirinto intimista, onde cada corredor se transforma numa versão sempre diferente da anterior. Olhando para todas as formas atravessadas pelo conhecimento e pela informação, adquire-se a consciência de que tudo o que se descobre provém de forma inclusa do imenso terreno da vida vivida por cada indivíduo, assim como de um impulso de recriação de um mundo interior. Entretanto, vamos acumulando de modo sucessivo muitas dúvidas emergentes, como portas de entrada para uma nova ideia já antes resumida. Tudo se repete num outro ponto de partida, localizado em cada equação musical simples e abstracta. Não existem neste movimento mais avanços ou recuos, nem mais lugares de chegada ou de partida. As experiências musicais são planas e confluem num prolongado processo de construção global que faz com que tudo se torne progressivamente familiar, numa proximidade transformadora da existência, num sobreviver e num lugar ideal onde nos podemos abandonar livremente na esteira de todas as referências sociais. Detecta-se neste processo uma estranha sensação de acompanhamento, uma imaginação singular e protectora que parece perseguir-nos.

As explicações elaboradas sobre o Jazz remetem-nos quase sempre para um ponto de vista mais geral e revelam-nos uma situação que não altera o acontecimento final onde esta música se condensa. A última audição liga-se de modo espontâneo aos esforços da nossa atenção, representada pelo elo alargado de forças mobilizadas pela criação e invenção, levando-nos a executar tarefas de busca pessoal, cujo início ancora numa emoção em estado bruto, despertada pelo contacto com o som e onde cada final surge como tantos outros estímulos iniciadores.

A história da música tem tentado sempre ordenar e sequenciar cronologicamente os inúmeros sentimentos experimentados, seguindo um conjunto de ideias condensadas e já contidas em muitas obras musicais do passado. Abolindo os pressupostos da grelha de leitura historicista e racional, negam-se forçosamente as datas de nascimento dos músicos e todas as demais informações biográficas, para se deixar cair por terra todos os preconceitos e compromissos, ficando cada um de nós desviado e apto a realizar, na impossibilidade da sua apreensão, as avaliações libertadoras do saber. Esta liberdade recentemente adquirida permite-nos centrar a atenção exclusivamente no processo de construção imaginosa e faz com que escutemos somente a música. Apesar de sujeita a mecanismos agressivos de desactualização e de desgaste, a criação musical parece conter no interior de si própria uma ideia redentora e indestrutível, cujo centro intangível de prazer se mantém intacto, furtando-se às agressões e aos estados obsoletos dos vários contextos a que se expõe e lhe permitem sobreviver incólume. Esta capacidade de se alterar a partir de estruturas profundamente inalteráveis, dá-nos a possibilidade de alcançarmos esse elemento central do sistema através da percepção completa do talento criativo, embora o mercado onde a música se insere continue a fazer prevalecer muitas das suas características mercantilistas. O Jazz é uma música que, na sua génese, precisa de resistir e de recusar acreditar na viabilidade das sociedades e se baseia num tempo de guerra e de agressão; foi no entanto, perdendo ao longo do tempo a sua marginalidade, sendo progressivamente integrada no sistema. A força e o reconhecimento destes factores e a sinalização de um percurso que se fez da margem para o centro, favorece a utilização da música num novo contexto de centralidade como imagem libertadora de transformação – um símbolo universal orientador e pacificador. Porém, a música perdeu a dimensão de confrontação e de negação que a alimentava, actuando hoje mais como símbolo e critério de viabilidade estética do que como motor gerador de potência criativa. O Jazz perdeu portanto, o seu habitat na sociedade contemporânea e esta perda gerou uma necessidade de adoptar outras estratégias de sobrevivência, destinadas a não se deixarem absorver pelo exterior. Estas estratégias compõem uma nova narrativa fundada nas ideias do trajecto, da viagem, do vaguear, dos encontros e do acaso de cada caso e remetem-nos para o velho mito do segredo e do mistério – momentos que fazem parte desse imaginário secreto do poder e da liberdade, condensados na imagem do homem solitário e ao mesmo tempo mundano.

No momento presente este cenário parece-nos mais gasto e inoperante e tenderá a ser abandonado no futuro, tornando-se então um pequeno mundo fantasma, cujas personagens ficarão para sempre a sofrer os horrores resultantes dos problemas causados pela deterioração das condições de permanência na memória dos indivíduos e de presença na história, condenadas a sobreviverem apenas enquanto ecos distantes, pairando sobre um discurso uniformizador. A crise global do esquecimento seria uma totalidade arrasadora a agir sobre todo o sistema terrestre e passaria a ser representada numa tragédia de dimensão planetária, presente e permanente. O que poderemos encontrar nesta história assim iniciada não será o começo de mais uma participação. Devemos procurar agora outro tipo de explicação para algumas das características dos homens que sendo comuns, construíram o Jazz e se arriscam a ser confundidos com os pobres de todo o mundo -são seres nómadas a movimentarem-se numa paisagem devastada. Surgem-nos assim como grupos de vagabundos, homens sem referências mínimas de vida cujo comportamento nos aparece desajustado e incorrecto, desajeitado e estranhamente despersonalizado, contendo contudo o sonho de uma ideia resistente.



A importância de todos os inícios (2)

O Jazz assume-se como uma música nómada que divaga no contexto da paisagem americana. Os músicos surgem de forma estranha, oriundos de redutos de marginalidade embora, com o passar do tempo, tudo pareça estar a entrar numa espécie de rotina. Os grandes momentos desta música são breves espaços de invenção que apesar de abertos e intensos, logo se fecham e voltam ao estado de aparente pacatez do qual tinham acabado de sair. A acumulação de diferentes ângulos de visão, a sua sobreposição e coincidência são aspectos cada vez mais presentes nesta música. Os avanços conseguidos são consequência das muitas actividades e dos acontecimentos artísticos que conferiram ao Jazz um estatuto de arte inacabada, como se fosse possível pensar em resultados artísticos definitivos. Todavia, nesta experiência sonora integradora e inclusiva, o efémero e o fugaz adquirem uma maior visibilidade, propiciando o aparecimento de renovadas formas e de muitos outros estilos, rapidamente transformados em estruturas paradigmáticas, testemunhos de um momento ou de uma época. Sem vedetas, sem objectivos e sem perda de movimento, o Jazz tenta manter os princípios que fizeram dele uma música identificável e personalizada e um procedimento artístico, situado na sua génese um pouco à margem dos caminhos da velocidade e do ruído de uma América em grande crescimento. Apesar disso, o seu desenvolvimento estético e a mutação dos seus géneros e estilos foram acontecendo a uma rapidez vertiginosa, acompanhando a história hiperacelerada e compactada do país. A estrada, como símbolo do movimento e do ritmo (elementos essenciais do Jazz), pode ser considerada um dos meios através dos quais esta música foi sendo construída, surgindo como parte do seu próprio imaginário, – representação do horizonte e do destino, rota traçada ao sabor da viagem – atirando-nos obrigatoriamente para o futuro. Os seus actores são pessoas sem perspectivas, vivendo o dia-a-dia sem preocupações com o amanhã. A continuidade e a linearidade são características reveladoras de uma música, da mesma maneira que a descontinuidade, a incerteza, a fractura e o caos das sonoridades despedaçadas nos surgem como esferas referenciais, indispensáveis à determinação da singularidade do Jazz. O tempo e os lugares parecem desfasados e contudo intensamente coerentes, embora não tenham uma conexão evidente entre si e estejam sujeitos a um estado de fragmentação generalizado. O Jazz insere-se nesse amplo processo de perda de consciência histórica que produz velocidade e favorece a importância de todos os inícios, a partir do seu nada espacial e do seu vazio temporal.



Dissolução e fragmentação das identidades (3)

Pode considerar-se o Jazz uma música que, pela fusão cultural intensiva proporcionada pela grande metrópole, adquiriu a dimensão que hoje lhe é reconhecida enquanto rede criativa aberta e expansível e enquanto forma de arte baseada num pressuposto de multiplicidade, capaz de manter intactas as diferenças e todas as singularidades. A apreensão musical é sempre um acto subjectivo. A subjectividade projecta-se através de um processo de cooperação e de comunicação entre grupos de indivíduos que vão, por seu turno, produzindo réplicas de si próprios, a partir de novas formas de cooperação e de comunicação que reproduzem mais subjectividade e assim por diante. Nesta espécie de espiral de conexões, cada momento em cadeia parte da produção de mais subjectividade, acumulando-se num fundo comum definido como inovação, cujo resultado é a criação de uma realidade ainda mais rica. Hoje o fenómeno do Jazz só consegue fluir quando inserido num processo mais geral de metamorfose e de constituição, fazendo parte do corpo composto de diferenças inumeráveis sem oposição entre si, que avançam em paralelo e se encontram impossibilitadas de serem reduzidas a uma identidade ou unidade única. Designa-se por multidão o conjunto assim constituído, uma forma democrática do viver em comum. Neste sentido, este corpo tem de ter necessariamente uma composição aberta e plural, nunca se tornando um todo dividido em estruturas hierárquicas, nem funcionais.

A sociedade pós-moderna caracteriza-se pela dissolução dos tradicionais corpos sociais e fomenta o aparecimento de diferenças internas, tornando-as mais evidentes. Enquanto paradoxalmente, os modernistas queriam proteger ou ressuscitar os corpos sociais tradicionais, os pós-modernos aceitam e celebram a dissolução e a fragmentação das identidades (o povo) e das uniformidades colectivas (as massas). A evocação revivalista deste tipo de formações sociais do passado constitui-se como uma elaboração nostálgica, projectada perante a ameaça de uma sociedade individualista fragmentada. Há um tom analogamente saudosista e deslocado nas evocações de um certo género de Jazz intimista e mais livre, quando a música parte em busca de novas formas e se sobrepõe a todos os outros géneros, apontando para a inexistência de hierarquizações de valores que, como acabamos de referir, não têm actualmente fundamento. A pós-modernidade revela o momento final das grandes narrativas populares e dos grandes projectos massificadores, identificados em inúmeros sintomas de derrota, visíveis nas formas de organização centralizada. O Jazz remete para um espaço de organização em rede que desagrega as relações de autoridade, transformando-as em relações de colaboração. Quando nos afastamos desta maneira de entender os fenómenos musicais contemporâneos, sentimos uma manifesta incapacidade de anteciparmos as formas musicais do devir.



Corredores de um imenso território (4)

Em determinado momento da sua história, o Jazz parece reiniciar uma estruturação a partir do seu passado, baseada na decomposição temporal das sonoridades centradas na repetição e na fragmentação em vários estilos e géneros, adquiridos e incorporados. A música surge-nos aparentemente idêntica, mas desta vez o contexto envolvente faz com que seja sentida através de diferentes pontos de vista – a última das formas remete-nos para a anterior e assim sucessivamente. As repetições retornam a todo o momento, usando outros meios e outras formas de expressão como se percorressem outros tantos corredores de um imenso território formado pela prática musical acumulada e constantemente adaptada. Ao querermos seguir a riqueza dos seus pormenores, a sua potencialidade do estímulo da criação e do desenvolvimento de novas ideias a partir do que já havia sido encontrado, tentamos colar ao Jazz todo um imenso património por ele já absorvido e neste processo encontramos, de forma inconsciente, novas e imprevistas soluções compreensivas no momento em que nada parecia estar a acontecer. Trata-se de um jogo de insistência, de perseverança na procura de uma ideia renovada – uma solução criativa capaz de relançar novas revelações e novas entradas. Só depois tomamos consciência de que se avança onde nada o fazia prever e muitas vezes se recua numa retirada surpreendente com um estranho sentimento de perda e frustração, sabendo no entanto, que apenas se aflorou uma sonoridade totalmente inatingível. Estes momentos levam-nos a pensar no esgotamento da arte, nas partidas insistentes para outras direcções sem meta, passível de nos sugerir um fim à vista – um ponto minimamente sólido de uma chegada proveitosa. O Jazz vive e alimenta-se desta inconstância e destes insucessos, reciclando-os na aparente futilidade de ser incapaz de terminar ou concluir o seu trabalho. Este estado inconsequente aproxima o Jazz da ficção, algo que se renova através das suas próprias limitações.



Uma certa ordem numa narrativa despedaçada (5)

Pode imaginar-se uma narrativa ficcional para o Jazz, uma estratégia de substituição que melhor o possa explicar. A criação é um projecto de liberdade gerador de sentimentos de exaltação de uma actividade arriscada, proveniente de um estado de insegurança que exprime a nossa natureza cobarde. Vivemos entre as lembranças e a imaginação, entre fantasmas do passado e fantasmas do futuro, reavivando velhos momentos e inventando novas necessidades de superação. Confundimos muitas vezes este processo com a realidade e a irrealidade e, não nos sendo suficiente o medo de falhar, ainda temos de reflectir sobre o peso do temor experimentado e sobre o significado do que fizemos. Acabamos por ter medo do próprio medo, um mecanismo insidioso que se multiplica e não tem fronteiras. Nesta espécie de luta limite pela sobrevivência cultural, conseguida através da afirmação da nossa identidade alcançada pelo acto de fazer, aprendemos a utilizar todos os instrumentos de navegação fornecidos pela imaginação e sentimos que o medo faz parte do grande sistema defensivo da natureza, que essa luta se vai sofisticando, levando-nos continuamente a utilizar procedimentos de protecção perante dificuldades cada vez mais insuperáveis. Assim a nossa ficção teria de considerar vários capítulos, começando cada um deles pela descrição de algo por nós produzido – um acontecimento representativo de um salto em direcção ao desconhecido e ao qual, atingido o fim do acto criador, atribuímos uma data, uma hora e um lugar, (elementos que lhe conferem um significado preciso e o organizam numa escala de repetições de uma mesma acção). Esta forma de abordagem da arte pressupõe a disponibilidade para regressar e realizar processos de releitura incessante dos procedimentos e dos seus resultados visíveis, cristalizados nas obras realizadas. Estas informações são dispostas numa temporalidade linear e portanto contínua, que projecta uma estratégia de domínio sobre as nossas rotinas, seguindo uma ordem sem saltos nem vazios. No Jazz, estes capítulos seriam sistematicamente divididos em múltiplos e regulares períodos de tempo, por vezes perigosamente e de forma redutora atribuídos exclusivamente a personagens que iriam agir e movimentar-se no contexto musical emergente, acabando por contribuir de forma decisiva para a individualização e para a identidade da música. Cada músico seria um separador desenhado entre muitas individualidades singulares que, no contexto do Jazz, apareceriam como espaços artificiais de classificação e de arrumação histórica, - lapsos de tempo entre narrativas - expostos num todo comum assente numa experiência colectiva complexa e diversificada, insusceptível de ser percebida de forma parcelar. Podemos então ver o Jazz e os seus diferentes períodos históricos como um todo, detectando os movimentos de características mais facilmente reconhecíveis; no entanto, se quisermos olhar de perto para a música, temos de considerar cada músico individualmente e a experiência singular por ele proposta, o que pressupõe uma atenção mais aprofundada, quase microscópica do trabalho realizado.

Uma coisa é a clareza de cada experiência, outra muito diferente é a clareza do significado dessa experiência. Os anglo-saxónicos conseguem individualizar mais facilmente estas duas dimensões, uma vez que distinguem emotion (um processo íntimo não consciente) de feeling (um sentimento consciente, produto ou elemento que acompanha a emoção). Esta hábil forma de distinguir o que sentimos realça a necessidade de continuarmos a nossa ficção como um momento essencial, capaz de fornecer explicações suficientes quando não sabemos onde se encontram as origens, nem os sentidos do sentido. Vivemos todos numa mesma realidade mas cada um vive a sua própria realidade, uma intra-realidade que remete para um espaço em pedaços, um corpo separado, no qual as sucessivas narrativas ficcionais são sobretudo pontos de costura que ligam e remendam as partes divididas da história, repondo em cada experiência criativa uma certa ordem numa narrativa despedaçada. Ao ser fracturado, o corpo do Jazz transforma-se em vida previamente fragmentada, possibilitando agir criativamente sobre o seu interior. O narrador eficaz será o que conseguir juntar todas as peças desse imenso puzzle formado a partir de cada uma das histórias pessoais, numa forma razoavelmente coerente, à qual atribuirá uma ordem capaz de proporcionar um outro nível de compreensão ao horizonte, entretanto posto a descoberto. O músico de Jazz faz, juntamente com o seu público, um processo de construção ficcional, sendo fiel aos acontecimentos e aos diálogos ocorridos ao longo das suas experiências, mas em contrapartida é incapaz de transformar radicalmente a sua estrutura narrativa. As acções podem aparecer de forma desordenada, o tempo pode encontrar-se fragmentado e as narrativas podem ser mais ou menos coerentes ou ilusórias. O músico não oculta nenhum dos seus sentimentos, mas esconde-se atrás da música como se estivesse atrás de uma forma abstracta de criação para exprimir tudo o que vai sentindo ao longo da sua vida. Ele busca padrões tonais desprovidos de significado para os seus ouvintes e estes podem atribuir-lhes as imagens e os símbolos desejados. O artista está emparedado na sua música, impedido de passar conceitos e de afirmar o que quer que seja. No Jazz revela-se, em certo sentido, uma linguagem cifrada, um conjunto de experiências crípticas sem evidência nem significado mínimo, passíveis de serem encontradas em outras formas de expressão artística. Este terreno abstracto não encerra qualquer poder de representação, nem se relaciona necessariamente com o mundo material.



Um trilho sonoro (6)

O músico de Jazz torna-se, no decorrer da sua história, um narrador inacessível, um dissimulador de um drama de incomunicabilidade, quer para com aqueles que o rodeiam quer para com quem o escuta. A sua música adquire uma componente intensamente auditiva e emocional, embora exista nela uma dimensão intrinsecamente motora, dado que tendemos involuntariamente a acompanhar com o corpo o ritmo da música, mesmo quando não a estamos a ouvir conscientemente. O acto performativo de um concerto provoca no músico expressões físicas que espelham uma narrativa, assim como sensações e pensamentos estimulados pelo som e este facto explica porque é que muitos compositores não compõem quando estão a tocar. No Jazz a improvisação obedece a rotinas e a procedimentos experimentados, obrigando-nos a questionar o princípio a partir do qual o percepcionamos, contrariando uma noção corrente que o apresenta como uma música exclusivamente baseada na improvisação. Ao viver-se o Jazz dentro da música, tornam-se evidentes as estruturas pré-determinadas às quais ele está vinculado. A composição processa-se portanto, a um nível mental, coincidindo com o momento da sua performance e esta capacidade mostra que imaginar a música pode estimular a sensibilidade auditiva tão fortemente como quando a ouvimos.

A expectativa e a sugestão podem intensificar consideravelmente a imagética musical, produzindo uma experiência quase perceptiva, surgida de forma espontânea. A nossa memória armazena grandes quantidades de sonoridades e de sequências sonoras, porque os nossos ouvidos são constantemente bombardeados com música e os nossos circuitos ou redes musicais estão saturados dos mais diversos tipos de sons. Isto faz com que estejamos sempre prontos a perseguir um trilho sonoro, sem qualquer estímulo externo claro. Neste sentido, o homem sem música seria muito mais amnésico e muito menos fiável nas narrativas; seria como se se escrevesse uma ficção em folhas esvoaçantes confundidas ao sabor do vento, perdendo-se muitas delas pelo caminho criativo empreendido. Sem uma capa e sem algo que prenda de forma definitiva todas as folhas de papel que compõe a nossa história, a vida seria certamente bem mais incerta, insegura e dominada por uma sensação latente de inquietude. Apesar da ordem aparente sugerida por este trilho aglutinador das narrativas, persistem medos, inseguranças e angústias que nos informam de como correm as coisas e nos obrigam sempre a fazer um balanço consciente da situação.



Trabalho de esvaziamento (7)

Podemos aproveitar a inquietação daí resultante para descobrirmos novas situações alojadas entre as partes inacabadas da nossa história. Por muito exaustiva que seja nas suas descrições, a narrativa está condenada a ser sempre incompleta, deixando em aberto muitas outras soluções possíveis. Mesmo quando terminamos uma melodia, utilizando o corte abrupto dos sons, sentimos o prolongar de cada um dos acontecimentos musicais a elaborarem no vazio. Estamos permanentemente, a reconstituir os eventos passados, tornando-se necessário voltar às histórias já experimentadas para as aprofundar e ir além da sua superfície. Gostamos da ideia de vazio pelo facto de ela nos deixar tudo em aberto. O Jazz realiza perfeitamente esse trabalho de esvaziamento, disponibilizando um espaço cheio de vários fragmentos, remetendo-nos indubitavelmente para o corpo desfeito de uma história. Todo o movimento contém esse mecanismo de fragmentação, cujas possibilidades estéticas do efeito óptico foram genialmente exploradas pela cinética na arte. Pode visualizar-se uma imagem dividida em tiras, evidenciando a confusão interna de uma música, mas quando agimos emocionalmente sobre o que escutamos conseguimos inverter essa incapacidade de nos organizarmos de modo criativo, porque a criatividade não advém do raciocínio.

A vida descarrila constantemente e por isso nos obriga a termos uma noção clara das marcas passadas, no sentido de evitarmos novas colisões em locais inapropriados. Refazemos constantemente a nossa narrativa inicial introduzindo outras narrativas paralelas, pensamentos sucedâneos, ansiosos por retomarem o princípio de todos os princípios, no centro do qual existe vazio e fragmentação. Em vez de ser uma só angústia, este início é acima de tudo uma vantagem traduzida na diferença dimensional, susceptível de nos dar mais capacidade de imaginar.



Definir e determinar o “novo” (8)

O Jazz pode ser considerado uma espécie de música premonitória dos movimentos artísticos independentes que haveriam de surgir nos finais do século XX. Ainda hoje estes movimentos periféricos e não institucionais surgem no contexto da arte em geral e, apesar da tentativa de definir e determinar o “novo”, as limitações estéticas do seu carácter inovador afiguram-se-nos hoje mais visíveis. Os cenários onde se desenrolaram os acontecimentos presentes são claramente os mesmos dos acontecimentos passados e no entanto, os resultados agora surgidos parecem-nos novos. A música esgueira-se de todas os tipos de classificação, decompõe-se em fragmentos como um caleidoscópio, revelando-se sucessivamente através de formas cada vez mais complexas. Este movimento em direcção a uma radical conceptualização e racionalização dos processos artísticos surge como uma tentativa de crítica e questionamento do progressivo desenvolvimento tecnológico, da qual resultou um abandono dos valores da ética e da estética, bem como o reconhecimento do esgotamento das condições de existência da vanguarda. A afirmação contemporânea de uma ideia de arte como manifestação de todas as artes confirma-se através da independência técnica dos meios de realização. A produção artística torna-se tecnologicamente mais autónoma, mais livre nas suas possibilidades de expressão, inserindo-se num horizonte cultural e social onde proliferam todos os géneros de estímulos e de símbolos. O Jazz começa a inspirar-se noutras situações não directamente relacionadas com a sua própria existência, adoptando todo o tipo de estratégias e de artefactos diversificados para se manter activo, cruzando processos e tornando-se cada vez mais experimental. As suas sonoridades transformam-se em sons híbridos e mutantes como se o todo musical se movesse num plano exclusivamente psicológico. As ideias e os labirintos formados a partir desta conceptualização abrem um espaço de circulação pelas paisagens mentais formuladas por entre músicas, fornecendo-lhes olhares e sentires diferentes e novos processos de compreensão. O Jazz daqui surgido aparece-nos como proposta de modelo, um tríptico composto por ritmo, improvisação e explorações mentais, – uma consequência de perda de sentido no espaço e no tempo, cuja rede formada por todas as suas ramificações o faz assemelhar-se às imensas ligações do cérebro. A música perde-se assim em sucessivos contactos e acasos, incentivada e apoiada pela enorme capacidade de comunicar. A informação e a comunicação fazem parte intrínseca do fenómeno musical alargado a áreas situadas muito além do que se escuta – sucessivos cruzamentos ou nós de uma imensa teia onde nos situamos. Verificam-se ainda as várias sobreposições estilísticas, a formação de corpos musicais complexos ocorridos num espaço artístico inventivo, onde a imaginação procura encontrar soluções criativas e bem sucedidas para resolver os inúmeros problemas colocados pelo mundo a todos os que nele desejam viver.



Cada acto é performance (9)

O comum nasce da necessidade de só podermos comunicar através de linguagens, símbolos, ideias e relações partilhadas e o resultado dessa comunicação cria outras linguagens, símbolos, ideias e relações. O comum é o espaço produzido numa relação dualista entre actividade social e actividade económica. A multidão surge como entidade que corresponde à subjectividade emergente desta dinâmica de singularidade e de partilha do comum – uma comunalidade. Toda a actividade produzida representa relação ou afecto. Neste contexto alargado de troca, a solução dos problemas ou a transmissão das informações é fundamentalmente uma forma performativa da acção – o produto é o próprio acto em si mesmo. Enquanto o trabalho modernista é mudo, dado assentar em pressupostos, conceitos e valores universais que falam por si e por nós, o trabalho pós-moderno tem de ser falante e gregário para viabilizar o discurso e a construção de identidade, mobilizando apetências linguísticas, comunicacionais e afectivas. A linguagem só pode ser produzida quando utilizada em comum; nunca poderá ser produto de um único indivíduo, sendo sempre consequência de uma interacção entre uma comunidade linguística, baseada na capacidade de inovar e de experimentar novos signos. A actividade criativa presente conseguiu mudar as realidades a partir das práticas e dos hábitos, situando-se em circunstâncias diferentes das anteriores. Enquanto no passado as acções tendiam para a especialização, para a aplicação de actividades definidas e fixas, repetidas por tempo indeterminado, as actuações pós-modernas requerem uma capacidade permanente de adaptação a cada contexto, exigindo a adopção de práticas mais versáteis e mais mutantes em termos de flexibilidade e de mobilidade organizacional, operando dentro de um meio mais instável e inconstante, onde cada acto é performance. As pessoas do Jazz passaram assim a ter de resolver problemas, assuntos exteriores a esta música e a ter de criar relações mais impessoais, engendrando outras ideias que passaram a ser usadas na sua linguagem, ou seja, no poder genérico de se exprimirem a partir de uma potencialidade indeterminada, compreendida em toda a sua forma estética. Tal como a linguagem, o Jazz pode ser visto como acto de expressão e de diálogo e nesse sentido, teve também necessidade de encontrar soluções artísticas capazes de se adaptarem a estas novas formas de percepção do mundo e soube consolidar a sua singular posição na cultura, através de processos de descomprometimento musical.


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Vontades de libertação (10)

O Jazz situa-se no meio de inúmeras falhas de compreensão, geradas no interior de uma relação de continuidade ou por vezes, de confronto ou apenas de tensão latente entre, por um lado as narrativas elaboradas por quem o escuta e pelos próprios músicos que o tocam e por outro, as descargas emocionais provocadas pela música, manifestadas de forma física e sobre as quais não exercemos qualquer domínio. Em determinados momentos, estas emoções surgem de um lugar fortuito, íntimo e individual, para além do próprio som e das circunstâncias em que a música se nos apresenta. Neste acontecimento processa-se a integração dos nossos sentimentos na relação com o que ouvimos. A sensibilidade musical, à qual não podemos escapar quando a possuímos, obriga-nos a realizar um processo de confrontação, descobrindo as melhores personagens que nos acompanham em cada ficção e se circunscrevem no nosso espaço íntimo. Nem todas as pessoas gostam de Jazz ou da música em geral e por isso se compreende que elas apurem individualmente processos de convivência e de entendimento, distintos e singulares. No entanto, no princípio desta relação, o fenómeno musical aparece-nos sempre como um todo generalista e comum que nos permite, se não quisermos aprofundar os níveis de entendimento, atingir um grau suportável de consenso para todas as nossas visões e consequentes tentativas de partilha. Aparentemente a linguagem ajuda-nos nessa acção explicativa do ininteligível, embora saibamos existirem vários tipos de ouvido e necessariamente várias formas de ouvir. Da audição mais clássica ao modelo menos linear, as falhas tendem a propagar-se na superfície da história do Jazz como vontades de libertação. Curiosamente, nos casos conhecidos de surdez acidental, cuja parte auditiva do cérebro é privada do seu input, esta incapacidade gera de modo espontâneo, alucinações musicais que reproduzem integralmente obras musicais anteriormente ouvidas e inconscientemente armazenadas na memória.



Deambulações sonoras e soluções de continuidade (11)

Um bom ouvido não garante uma capacidade excepcional de distinguir má de boa música. Em contra partida, muitas pessoas têm um ouvido fantástico, isto é, têm uma percepção correcta do tom e do ritmo, mas é impossível saber se essa qualidade lhes oferece condições mínimas para serem músicos, para executarem ou criarem música. Ter gosto e sensibilidade musical não implica necessariamente o desejo de sermos músicos ou de dominarmos profundamente a capacidade crítica e o gosto; neste sentido, podem herdar-se estas qualidades sem que isso signifique o desenvolvimento de uma propensão para o domínio das técnicas de execução de um instrumento ou de composição, mantendo-as no contexto mais abstracto dos dons inatos. Conhecem-se músicos possuidores de uma enorme capacidade de produzir melodias sem terem conhecimento aprofundado da estrutura musical, enquanto outros acumularam um património musical notável, a partir unicamente do labor obstinado da sua actividade artística. Na actividade de um músico, o trabalho e a disciplina são aspectos tão importantes como o talento e ambos são susceptíveis de influenciarem as suas performances. Existe pois um enorme conjunto de variáveis e de situações específicas, passíveis de determinarem a estrutura, a montagem e o conteúdo das nossas histórias. O músico deve juntar todos os pedaços encontrados nas suas deambulações sonoras e, de forma aproximada, deve tentar estabelecer soluções de continuidade entre elas. A imagem final desta experiência surge através de uma construção sonora coerente, encontrada e desenvolvida a partir daqui. O que se descobre vai ser expresso na grandiosidade dos actos criativos. A narrativa inicial e neste caso a projecção do trabalho conseguido, reflecte uma imagem de todas as partes sublimes como as anomalias, as más junções entre os fragmentos, a sua parte nítida ou desfocada, as passagens falhadas dos limites ou as sobreposições evitáveis; enfim, todos os actos que terão levado ao momento de superação ou ao fracasso da criação. Através de uma análise apurada, consegue-se entrever os vincos dessas ligações (as imagens arrancadas por terminar, as partes amarrotadas depois de recuperadas e todos os sons antes de se voltarem a colar) e a audição da obra musical exige a percepção das complexidades especiais envolvidas e relacionadas no todo sonoro escutado, que no Jazz surge sempre inacabado porque disponível para ser tocado de novo com uma interpretação diferente. Esta totalidade transforma-se num objecto musical com significado, através dos processos de percepção, síntese e descodificação dos elementos que a compõe. A obra aparece sob várias formas de disfunção: a complexidade, a sincopação e os polirritmos do Jazz requerem portanto, exigentes processos de leitura, assim como a capacidade de estabelecer relações entre os ritmos. Os elementos indispensáveis da música são os tons claramente distintos e a sua organização rítmica. Quando as melodias perdem as suas qualidades tonais, adquirem um carácter não musical e tornam-se desagradáveis ao ouvido, embora assimiláveis como arte e mantendo intactas as suas qualidades; no entanto exigem um forte sentido de compreensão que pressupõe um processo extremamente complexo de conciliação de muitos níveis de percepção no cérebro auditivo.



Música imagética (12)

As contingências atrás referidas colocam ao Jazz dificuldades de acessibilidade, mas funcionam ao mesmo tempo enquanto condição potenciadora do alargamento das suas características musicais, expandindo a sua energia criativa. Esta música pode ser considerada um bloco sonoro que se desfaz, refazendo-se numa sucessão de cenas e de planos em colisão. Estes factores dão-lhe uma dinâmica muito própria e injectam nas suas movimentações graus de liberdade e de superação muito peculiares, permitindo múltiplos pontos de vista sobre o mesmo objecto. Neste sentido, a música surge como uma filmagem do mesmo cenário, recortada em vários frames que reproduzem a imagem capturada através de diversas câmaras de filmar. Na sua execução adoptam-se diferentes técnicas de captação, através de movimentos rápidos e acelerações, contrastando com projecções e compondo planos largos e planos fechados, dispostos numa instabilidade providencial. A utilização destas técnicas transforma o Jazz numa música imagética e assim se compreende a relação cúmplice que se foi estabelecendo entre o cinema e o Jazz. Este processo é capaz de provocar novas ideias de harmonia nas suas elaborações, sem qualquer preocupação de ordem nem organização. As harmonizações alcançadas são consequência de um longo trabalho de síntese e de procura de sentido. No Jazz parece estar implícito um grau de discrepância que nos coloca como suas vítimas preferenciais, sujeitando-nos a um desajustamento entre a música e os seus contextos, desajustamento este provocado pelo desejo de empreender e de fazer a nossa própria construção imaginosa. Em todos estes processos persiste um problema de ligação com a realidade, a partir do qual se organizam as movimentações criativas, acabando por ser a representação do tempo actual - um tempo plano, não sujeito a qualquer sequência temporal e cronológica que estabelece um processo mental subordinado a uma lógica, hoje em crise, de causa-efeito. Esse facto deixa atrás de si rastos do esforço de integração, pontos de costura grosseiros porque impossibilitados de realizarem a ligação plena das partes. O Jazz está sujeito a muitas modificações, alterações de circunstâncias que o conduzem primeiro a uma destruição e posteriormente a uma reconstrução. Este mecanismo surge como anomalia e como invasão estranha de outras referências musicais. O grau de descomprometimento alcançado no Jazz confirma a existência de um desfasamento, de uma reacção atrapalhada de quem não se engana e não percebe que está certo, como se todas as respostas surgissem cedo de mais e não batessem certo com as perguntas feitas depois. Este fenómeno devolve ao Jazz um estado de natureza, uma aproximação ao elemento primordial da música, uma certeza próxima de uma verdade artística rara e cada vez mais singular. Ficamos algo surpreendidos com esta imensa falta de sincronização que atinge a sonoridade e não lhe retira identidade, como se se tratasse de uma escrita irregular sobre cada improvisação, inultrapassável pelas qualidades intrínsecas apresentadas. Sabe-se da existência de muitas insuficiências, porque sustentadas em consensos frágeis, que relativizam as avaliações da audição e a atribuição de significados à música escutada. No confronto com o Jazz, as nossas limitações são múltiplas e de vários tipos – de ordem interna e externa, e até mesmo, nos casos mais extremos, com origem biológica e genética. A amusia, por exemplo, é a incapacidade de entender a música, uma espécie de surdez que retira às melodias a sua qualidade musical, mas conhecem-se ainda outras formas de surdez, raramente totais, relacionadas com o ritmo, o tom e o timbre. Pode falar-se assim da existência de indivíduos amusicais, mas é indiscutível o facto de a musicalidade se encontrar inscrita no genoma humano, com raízes evolutivas remotas, situadas para aquém da língua falada. Apesar de todas estas limitações e da dependência de inúmeros factores, o acto de escuta da música corresponde ainda a uma capacidade e a uma possibilidade individual, susceptível posteriormente de ser integrado em contextos mais vastos de experiência colectiva, mediante processos de consensualização. Isto implica um esforço no sentido da superação de obstáculos e dificuldades que, num espaço único e livre de narrativa e de criação, nos permite a construção e a afirmação da identidade.



Uma arte mínima capaz de alcançar uma totalidade (13)

É impressionante o facto de estarmos dependentes do funcionamento de um aparelho auditivo natural, (o ouvido) extremamente complexo, capaz de distinguir mil e quatrocentos tons discrimináveis. Quando ouvimos música, temos a percepção dos seus múltiplos atributos e entre eles incluímos o tom, o registo, o timbre, o volume, o andamento, o ritmo e o contorno.

A percepção nunca se situa totalmente no presente porque se alimenta também das experiências passadas. Todos possuímos memórias detalhadas de como as coisas pareciam e soavam anteriormente e estas memórias misturam-se em cada nova percepção. Cada acto perceptivo é um acto de criação e cada acto de memória é, em certa medida, um acto de imaginação. Desta forma, em cada audição convocamos uma experiência e um conhecimento e estabelecemos processos de adaptabilidade das nossas potencialidades intelectuais. Há neste contexto, uma manifestação da natureza física e táctil dos sons escutados, algo que possibilita uma espécie de terceira dimensão na música, sugerindo-nos o volume, a superfície, a profundidade do campo e da textura. Por isso surgem tantas vezes situações que ligam o som à visão e a imagem do artista cego tem uma ressonância quase mítica na história da música, como se os deuses tivessem oferecido às pessoas incapacitadas prendas alternativas de musicalidade em compensação do sentido retirado. Os músicos cegos têm um papel especial em muitas culturas. No mundo do Jazz, dos blues e do gospel apareceram importantes músicos cegos que juntavam blind aos seus nomes, ostentado o cognome como título honorífico.

Outra situação interessante encontra-se na associação da música às cores. Desde sempre o homem procurou estabelecer uma relação entre estes dois elementos. Existem inúmeros relatos sobre músicos para quem a música funcionava como sugestão de efeitos de cor. Admita-se então que, para alguns músicos parece existir uma espécie de música colorida, situada para além das sonoridades. A cor é um elemento essencial da sensibilidade e do pensamento musical pois, não só as tonalidades têm cores distintas, como também os temas musicais, os padrões, as ideias e os ambientes adquirem qualidades cromáticas. Pode considerar-se o Jazz, no mesmo sentido do já dito acerca da sua relação com o cinema, uma espécie de linguagem que se dissemina e se deixa contaminar, que ultrapassa e transborda os seus limites, invadindo constantemente outras músicas e as artes vizinhas, quer no plano visual quer no verbal – uma arte mínima capaz de alcançar uma totalidade. Através de uma visão generalista é possível entender-se que todos estes processos de galgar permanentemente as fronteiras, se transformam em acontecimentos ocorridos sob o signo de uma colisão benigna. Não nasce daqui qualquer tipo de conflito ou violência, mas a transformação frutuosa da música numa máquina de hipóteses criadoras a partir de um qualquer estímulo lançado na consciência – uma pirotecnia de possibilidades criativas. O Jazz constrói pontes entre margens, estabelece velocidades diferentes para uma mesma composição, introduz um grau de flexibilidade que muda facilmente de rumo e de direcção, enquanto os títulos e os nomes dos seus genéricos passam ao ralenti. As multi-velocidades encontradas e associadas neste processo têm por base o choque e o embate dos contrários, estabilizando-se num método de criação prolífico das soluções desenvolvidas. No Jazz detectam-se as suaves ou agressivas transições de estilo, de género e de tipo. Curiosamente estas transições tornam-se os momentos mais necessários para individualização e identificação das suas formas. Esta desintegração estilística assenta no facto de o Jazz ser essencialmente uma música urbana, uma sonoridade múltipla e pluralística, adaptada aos cidadãos das grandes metrópoles, como forma totalmente inacabada e dinâmica. No interior do seu contexto alargado, as referências musicais a sonoridades adjacentes não são totalmente inocentes; elas relacionam-se como se houvesse um mundo paralelo, oscilando entre o real e o imaginário. Umas vezes aparece-nos como lugar ficcional, outras como parque criativo, outras ainda como o mundo interior de cada músico na descrição do seu modo de pensar, contaminado por um conjunto de situações de vida, por vezes determinantes nos resultados alcançados. A tradução de todas estas questões numa música que sintetiza e estiliza todas as experiências sensoriais e perceptivas, sem uma distância exagerada de muitas das suas vivências genuinamente experimentadas, atrai o público. O público acredita que o músico exprime, através do instrumento, as suas sucessivas dimensões como ser humano e sensibiliza-se com o facto de o artista ter concretizado a superação das suas limitações.



Música cinética (14)

A música pode promover uma ligação social entre os vários intervenientes no processo de escrita, execução de um instrumento e audição. O que começa por ser uma colecção avulsa de indivíduos sem qualquer relação entre si, pode transformar-se num grupo coeso, perseguindo o mesmo objectivo. Um concerto é um momento partilhado pela audiência e pelo intérprete, numa relação profunda de construção e comunicação das várias experiências vividas e através dele estabelece-se uma sintonia entre todos os participantes, integrados numa unidade descoberta – um grupo formado aleatoriamente. Na expressão criativa de toda a sua energia aglutinadora, a música adquire condições de visibilidade para a sua exuberância física, os seus jogos e a sua inventividade, assumindo uma nova dimensão artística. Em concerto a música surge como elemento essencial de fusão dos indivíduos, um todo comum reunido em comunhão ritualistica, desempenhando uma função tradicionalmente atribuída à palavra. Ambas são parte de um mesmo momento e a música e a linguagem possuem origens comuns; por isso a recitação depende frequentemente do ritmo musical e neste ponto torna-se difícil decidir qual destas duas tem predominância sobre a outra. Nesse sentido percebe-se que a ligação entre a palavra e a música se configura como um processo natural – tradicionalmente (nas culturas orais) a música desempenha um papel importante na poesia, na narrativa, na liturgia e na oração. Havendo sempre uma expectativa mínima acerca do que se vai ouvir num concerto, relacionamo-nos naturalmente com a música oferecida, seja ela puramente instrumental ou acompanhada pela palavra. Verifica-se em ambos os casos uma sensação de espontaneidade e de ausência de ruptura ou conflito, na sintonia criada entre a audiência e o intérprete. Isto acontece porque existe uma simbiose entre a música e a palavra, não prejudicada pela ausência de uma ou de outra. Assim, considera-se o concerto um ritual de sublimação da ideia segundo a qual a música é um meio de comunicação tão poderoso como a palavra.

Em todas as culturas existem formas musicais que exploram um ritmo regular ou uma pulsação periódica, permitindo a coordenação temporal entre os executantes e os ouvintes, de maneira a suscitar uma resposta sincronizada por parte de quem escuta. Esta ligação parece ser tão universal entre os humanos que se manifesta, de forma espontânea, um momento muito precoce da nossa existência. Deste modo, a imaginação da música ou do ritmo pode ser uma percepção tão poderosa como a sua audição. A marcação automática e inconsciente do tempo mental e a sua expressão corporal deixam entrever uma ligação profunda entre as áreas do cérebro, provocando activações sensoriais e motoras. Enquanto música, o Jazz faz uma apologia evidente das potencialidades do ritmo, visto como uma forma especial de combinação entre o movimento e o som. A função primordial da música é estabelecer uma ligação entre todos os indivíduos e reuni-los. Este vínculo de união realiza-se através da interiorização do ritmo, (processo que transforma os ouvintes em participantes e torna a sua audição um momento activo e sincronizado) motivo pelo qual se torna muito difícil a cada pessoa ficar indiferente e resistir ao seu impacto de arrastamento. O poder quase irresistível do ritmo pode ser sentido em muitos outros contextos. Durante a marcha, serve para conduzir e coordenar os movimentos, assim como para suscitar um estado emocional colectivo de tipo ocasionalmente marcial. O ritmo tem assim uma fantástica capacidade de mover pessoas, de lhes atribuir uma determinada função cultural, social e económica, juntando-as em grupos e produzindo um sentimento de colectividade, de comunidade e de integração social. Este poder de representar emoções, acontecimentos exteriores ou histórias através do gesto e da postura, do movimento e do som, torna o ritmo uma pedra fundamental na qual se alicerça a cultura humana, na ausência de uma linguagem significante. Ele aparece nestas circunstâncias como mistério, uma hábil apreensão do tempo e neste sentido, estimula a tentativa de o dominar e compreender, provocando reacções corporais às quais voluntariamente nos submetemos e sobre as quais não exercemos qualquer tipo de controlo. Estas relações definem e desvendam as nossas silhuetas enigmáticas e excitadas. O ritmo entra em nós pela porta da sensibilidade mais íntima, revelando sensações entre angústias e medos e apresenta-nos, em grande plano, a personagem principal da nossa intimidade, preparando o homem para novas formas de organização, talvez mais sujeitas aos apelos físicos e aos movimentos dos sons. Também nos transmite a envolvência dessa tempestade interior, permitindo libertarmo-nos dos nossos demónios e dependências mais obsessivas. Ele liberta-nos de forma imediata, irracional e intempestiva, criando um movimento para o corpo, um impulso capaz de induzir alguma calma e serenidade. No Jazz existe claramente uma imensa exploração do ritmo enquanto dispositivo de libertação, não como instrumento de uma relação de poder e através dele atinge-se um certo grau de sintonia e de equilíbrio numa música cinética, surgida como consequência imaginosa de sucessivos confrontos e colisões.



Um momento feito fenómeno subjectivo (15)

Ampliemos o campo da nossa percepção ao espaço fornecido pelos símbolos. Enquanto os animais agem mediante a utilização de estímulos condicionados e instintos primários, nós os homens temos outras e mais alargadas possibilidades de actuação, quando utilizamos e intensificamos os processos simbólicos e metafóricos.

Os estímulos naturais primários deixam de ter um estatuto privilegiado e acabam por se esbater numa prolífica rede de estímulos derivados, inventados pela inteligência humana de segunda, terceira ou enésima geração. O Jazz é um elemento compreensivo de ampliação, capaz de proporcionar esse tipo de trabalho transformador, obrigando-nos a realizar uma espécie de produção imaterial sobre o adquirido. Ele forma um conjunto de acções complexas onde se conjugam inúmeros factores que vão da inteligência, informação e comunicação às relações e afectos. Enviando-nos constantemente sinais, faz surgir um potencial criador em cada indivíduo, tornando-o um receptor capaz de experimentar novas sensações na tentativa de interpretar e estruturar todos os estímulos recebidos. Revivemos entre as lembranças das coisas sentidas no decorrer da vida e a imaginação que nos acompanha desde o nascimento. Os sentimentos são experiências intelectuais, zonas cifradas de aquisição do saber que, por possuírem uma natureza críptica, nos fazem sentir senhores de coisas inexplicavelmente agradáveis e exaltantes, impedindo-nos por vezes de identificar a música escutada. Uma situação de compreensão musical é sempre uma experiência vivida num contacto com a criação e a situação gerada pela percepção da clareza do seu significado, configura-se como algo completamente distinto. As confusões, assim como a capacidade de percebermos o produto artístico, advêm de uma ruptura na qual a nossa inteligência, por muito lúcida que seja, não se apercebe de todos os elementos impressos na obra de arte. A tomada de consciência desta impossibilidade remete-nos para um estado de grande volatilidade, – um momento feito fenómeno subjectivo, um estado incapaz de isolar e de identificar cada uma das partes, imprimindo ao processo de gostar da música um sentimento sempre artificial de solidificação, no fragmentado entendimento da sua estrutura real. O Jazz pode provocar algum incómodo, uma situação desagradável de confronto com o desejo perceber. É sempre difícil explicar as razões pelas quais gostamos do Jazz porque não sabemos as suas origens, nem o tipo de elementos sensibilizadores da imaginação. Isto torna o Jazz uma música que apela à busca de um sentido para o vazio generalizado emergente – um buraco causado pela falta de objecto de análise suficientemente claro donde vêm muitas das elaborações sonoras e artísticas. A compreensão é sempre um fenómeno transversal, aplicável e necessário a todas as formas de arte percebidas através de uma causalidade circular difícil de entender, porque nos habituamos a utilizar um pensamento de tipo linear e rectilíneo. Esta forma de pensar através da qual se tende a aceitar que por detrás de cada causa existe um determinado efeito, conduz à reciprocidade de influências e neste contexto, o efeito torna-se causa ou o seu contrário. Enquanto realidade de um mundo sonoro aparece-nos de forma intensa e apresenta-se num acontecimento híbrido, no qual o princípio se torna fim e vice-versa. O Jazz permite viver essa realidade segundo uma capacidade própria. Cada um vive a vida de acordo com a sua experiência, sabendo inventar e depois sobreviver no interior do mundo assim imaginado. A dificuldade de se sentir as diferentes tendências do Jazz compõe os desejos e as vontades experimentados, obrigando-nos a perceber de forma aberta e plural este fenómeno, cada vez mais semelhante a um todo artístico em movimentação no contexto das demais criações humanas, através das quais vamos percebendo o que é necessário adquirir em relação aos sucessivos elementos de referência e de compreensão.



Treino que exercita o desejo de liberdade (16)

No Jazz, como em todas as formas de aprendizagem, criam-se situações de confronto entre os conhecimentos adquiridos e os dados e informações transmitidos através da experiência de um primeiro contacto com o novo. Somos obrigados a preparar uma estrutura narrativa implicada na organização da totalidade desses momentos – um processo único de individualização indissociável da relação com a música escutada. Os suportes existentes nas diversas tecnologias hoje disponíveis provocaram uma mudança de paradigma no acto de ouvir: se por um lado são um elemento indispensável de estudo e de compreensão das várias formas de estruturação simbólica da música, por outro verifica-se uma banalização da relação estabelecida. Esta relação é prejudicada pela perda da solenidade do momento em que com ela contactamos e da reciprocidade existente neste movimento de associação de histórias e memórias pessoais à música. Esse processo individual não acontece apenas do lado do ouvinte; também nos músicos a produção de subjectividade nasce da necessidade de se defenderem contra os seus medos íntimos - eles tocam para se ouvirem, mas também para esconjurarem os seus receios. A música contém relatos autobiográficos dos seus criadores e intérpretes, permanentemente inscritos na história de quem a escuta. Alguns destes relatos são sobreposições absolutas de perspicácia e de talento individual, num contexto onde a ameaça e o perigo provocam um sentimento desagradável e generalizado de reclusão e onde a música surge como processo subliminar da organização de estratégias de fuga e libertação em relação às inúmeras situações de tensão e de inquietude. De certa forma, estas tensões terão contribuído para a sua origem. A procura de uma narrativa permite enfrentar o medo que corrompe as relações e os sentimentos como uma doença carecida de explicação urgente, bem como as angústias vindas do espaço obscuro não dominado, o qual pode transformar-se numa armadilha mortal para o artista, submetendo-o e escravizando-o. O Jazz encontrou uma emoção poderosamente contagiosa, capaz de agir socialmente e de libertar novos desequilíbrios na velha relação entre tradição e vanguarda, através das rupturas por si provocadas. Uma das vantagens da vida em grupo é o facto de as respostas colectivas serem constantemente postas em causa e por isso sofrerem evoluções permanentes, transformando a arte em sinais sociais de alarme para os outros membros do grupo, levando-os a reagir. Segundo a psicologia das multidões, as massas são na sua essência muito influenciáveis. A mesma psicologia descreve o carácter absoluto dos juízos, os processos de relativização e consensualização altamente destrutivos, assim como a rapidez dos contágios emocionais nos quais se dá a debilitação ou a perda do sentido crítico. O desaparecimento do sentido de responsabilidade individual, a subestimação ou exagero no cálculo do poder da força adversária, a passagem repentinamente do horror ao entusiasmo e das aclamações às ameaças de morte, são momentos de perda de um controlo cujo poder se manifesta e fragiliza cada vez mais, criando uma nova forma de soberania. Não podendo eliminar as paixões, devemos tentar compreendê-las, entrar nelas e fazer com que se transformem em afectos. Se formos capazes de encontrar as suas causas e consequências, poderemos corrigir alguns desajustes de avaliação, reduzindo a tirania dos afectos sem os anularmos completamente. O Jazz transforma em energia natural todo o prazer de o experimentar. Esta disposição permite educar e controlar todos os momentos de superação artística, simbolicamente expressos numa actividade construtiva, surgida sob forma de treino que exercita o desejo de liberdade.



Uma ideia de ser sem limites (17)

Podemos estabelecer duas formas de relação com a música – uma essencialmente emocional e outra essencialmente intelectual. É possível ter em conta uma ou outra destas duas dimensões, segundo a qualidade daquilo que escutamos, segundo o nosso estado de espírito e segundo as circunstâncias. Toda a música exige de cada um de nós diferentes formas de atenção. Se em algumas situações nos sujeita a um estado intenso de emoção, noutras obriga-nos a uma extrema atenção intelectual, fazendo-nos perceber a sua beleza enquanto qualidade mais severa e impessoal. Temos assim necessidade de estabelecer um equilíbrio entre estas duas formas de abordagem: se dermos excessiva relevância à parte intelectual, corremos o risco de nos tornarmos demasiado frios e cerebrais; se por outro lado, cairmos numa sentimentalização exagerada, tornamo-nos reféns das nossas emoções e perdemos capacidade de compreensão. Este equilíbrio pressupõe uma conjunção de diversos factores: a correcção técnica e todos os pormenores da interpretação, a influência da emoção e o facto de ficarmos dependentes do virtuosismo árido dos seus autores.

Alguns indivíduos não possuem porém, a plenitude das capacidades perceptivas ou cognitivas passíveis de levarem a uma apreciação totalmente eficaz da música, não impedindo esse facto o prazer sentido na audição das melodias, ainda que desafinadas. Noutras pessoas verifica-se o oposto: podem ter um bom ouvido, podem ser sensíveis às várias subtilezas de cada estrutura musical sem terem de se preocupar com estes aspectos, nem os considerarem uma parte importante das suas vidas. Neste sentido a musicalidade pode ser inata, mas a sensibilidade emocional pode ser aprendida e influenciada por factores pessoais e biológicos. A música é uma arte única entre todas as artes, sendo completamente abstracta e profundamente emocional. Não tem poder de representar em concreto seja o que for, nem de projectar qualquer realidade exterior. No entanto, tem uma capacidade única de comunicação dos múltiplos estados interiores e sentimentais. Tudo isto torna a música um imenso paradoxo, uma actividade estranhamente misteriosa, porque é capaz de criar em nós sentimentos contraditórios de satisfação e de melancolia, de dor e de luto, ao mesmo tempo que nos consola e alivia.

O Jazz é uma espécie de música do conhecimento, uma sabedoria do espanto, susceptível de nos afectar e transportar para uma dimensão universal e apurada do sentir. É uma música da imaginação, por mais ortodoxos que os seus praticantes possam ser. A mediação entre dois mundos compostos pela inteligibilidade do som e a expressão física dessa audição é eficazmente realizada por esta música livre de preconceitos no seu estado culminante, sendo capaz de comunicar uma ideia de ser sem limites.