AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO:
(Catálogo) Centro Cultural Vila Flor/ Escola Superior Artística do Porto      DATA: Janeiro de 2009 

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Nos últimos anos a arte tem sofrido alterações significativas relacionadas com o mercado e a ideia de valor, que
nos têm feito reflectir sobre a sua função actual. Não que a arte não tenha apresentado vários desenvolvimentos
curiosos ao longo da história, que se manifestaram no surgimento das correntes artísticas, e noutros movimentos
e tendências adoptadas nas mais diferentes áreas do conhecimento. Estas manifestações foram todas elas
efémeras e serviram eficazmente as orientações estéticas, os fundamentos e manifestos por detrás das obras, as
opiniões dos críticos, as opções dos compradores e a ambiência geral do que era projectado para fora. No
entanto, subjacente a todos estes elementos circunstanciais que com habilidade refinaram o que hoje
entendemos como passado, e que estabeleceram margens e delimitaram estilos, sempre esteve intrínseca à arte
uma dimensão subjectiva, uma carga que diz respeito às emoções e aos afectos, tantas vezes determinantes na
noção de valor mas, contrariamente à dimensão mutante e instável daquilo que estruturou as sociedades e o
gosto, soube persistir de um modo subliminar e contínuo.

Um dia, à semelhança do indivíduo que acreditava que nada do que existe é tão grande que não possa ser
medido(Arquimedes), alguém inventou a Fórmula do Lucro, para sintetizar um raciocínio capaz de incorporar o
cálculo de valor sobre todas as coisas, numa regra simples, resumida a uma equação matemática. A invenção da
fórmula MV/C+V - que sintetiza a relação da mais-valia total com a soma do capital constante e do capital
variável - reforçava uma esperança de que se podiam aguardar as mais ambicionadas mudanças numa sociedade
marcada pela desagregação social e económica, onde qualquer ideia de transformação era abraçada numa
perspectiva redentora. Este conceito foi mais aprofundado pelos marxistas, integrando um grande trabalho
teórico sobre o funcionamento do capitalismo. O que eles não previram, em afinidade com tantos homens geniais
e preponderantes, que desafiaram e reescreveram as partes mais significativas do que aprendemos a identificar
como memória colectiva, é que quanto mais se procura descobrir uma ideia capaz de conter uma solução
suficientemente abrangente para um determinado problema, mais o seu teor se especializa e redefine em
particularidades.

Havia um tempo em que as fórmulas matemáticas tomavam conta de nós como entidades paternalistas; a
religião e a ciência confrontavam-se na sua tarefa de reiterar uma confiança no domínio da natureza e do tempo,
reinventando soluções até as sociedades descobrirem o grau de ilusão em que se encontravam, enredadas entre
tantos passos falsos e raciocínios enganadores, e as substituírem por outras. Apesar de todos os problemas do
lucro e de todas as fórmulas que alguma vez reclamaram a possibilidade de tornarem algo em qualquer coisa de
mensurável, uma acção mediática permanente foi atribuindo uma certa actualidade à sua substância.

No caso concreto da Fórmula do Lucro, entende-se no presente que é desprovida de sentido: não fosse MV/C+V
uma taxa de lucro sobre o capital, mas uma taxa de lucro sobre o número de negócios levados a efeito. Tal como
o objecto de estudo perturba a experiência científica, os resultados obtidos e a sua posterior condensação numa
equação matemática, ao ignorarem a realidade da qual o objecto provém, revelam que todo o pensamento é
independente do contexto que o descreve, e que nenhuma sequência de eventos e respostas consegue escapar a
uma desconstrução pelo método. Curiosamente, e apesar de pouco tempo depois de ter sido encontrada se ter
tornado num elemento obsoleto, facilmente decomposto e compreendido por especialistas como um modo pueril
de análise e de solução, a sua descoberta causou um enorme impacto sobre todos aqueles os que viviam sob a
poderosa força do capitalismo. O seu espectro soube sobreviver, redefinido numa singularidade fetiche no
contexto de uma comunicação de massas que insiste em sobrevalorizar, através de um conjunto de tarefas de
uniformização sistemática, todos os acessos possíveis ao conhecimento. As mudanças introduzidas pelo progresso
parecem ter acelerado a sua decomposição, sem nunca corromper um interesse exemplar e muito humano acerca
do modo como percepcionamos o mundo e as mais variadas actividades produtivas que nele fomos levando a
efeito.

Os danos resultantes desta forma de equacionar, durante tanto tempo, aquilo que nos rodeava, resumindo e
encerrando numa conta tão simples décadas e décadas de transacções e movimentos de capital, são extensos e
viciam a alienação face ao erro. Sabe-se que já ninguém resolve nada na enunciação de fórmulas, embora a busca
por uma derradeira norma, a última de todas as formulações, consiga ainda transmitir-nos um sentimento
apaziguador. Num contexto de mercado cada vez mais aberto ao público em geral, a arte não poderia ficar
apartada desta inclinação que hierarquiza todos os objectos de desejo, mais do que pela realização e a satisfação
pelo belo, pelos fundamentos de uma qualquer teoria capaz de providenciar um cálculo definitivo e correlativo
sobre o seu valor real e sobre o valor futuro das obras dos artistas.

Se as fórmulas fossem de facto uma solução, o mercado da arte poderia já ter resolvido todos os problemas de
cálculo de valor do objecto artístico, partindo do princípio que existia uma propensão natural para se
estabelecerem equilíbrios entre a procura e a oferta. A verificar-se tal facto, muitas das situações paralelas que
contribuíram activamente para a redefinição de um preço ao longo do tempo, e que sempre se basearam em
desvios estratégicos para terrenos bem mais mundanos de ostentação, expurgados das tarefas de cálculo rigoroso
que originaram todos os modelos científicos, nunca teriam acontecido. Esta dimensão superficial da obra de arte
como fonte de especulação e vantagem, tem vindo a afirmar-se cada vez mais na parte visível que a envolve e
determina como espaço de comunicação global, servindo-se de todo o tipo de expedientes e aparatos de opinião
para encobrir o vazio e a pobreza cultural em que existimos. A arte está dependente da certificação do crítico
para se instalar no mercado; está entregue à mercê da narração de argumentos que unem fórmulas a dissenções
teóricas, numa estranha profusão de palavras e actos sociais que encerram, no âmago da sua própria escuridão,
tentativas sistemáticas e permanentemente falhadas de elucidação do mundo.

Hoje limitamo-nos a reconhecer que todas as fórmulas do presente serão questionadas e alteradas no futuro, e
que anualmente surgem outras tantas possibilidades de interpretação do mesmo assunto, à medida que a ciência
se move em contextos fechados de compreensão, no encalço de saídas estratégicas para saltarmos fora do círculo
vicioso do mercado e da crise de valores em que nos encontramos.

Ao escolhermos uma fórmula para título desta exposição, pretendemos reagir na pequena parcela de espaço
determinado pela liberdade de nos afastarmos do seu meio. O centro da arte pode referir-se como um epicentro
de criatividade do ser. O sentimento de clausura nos esquemas de funcionamento de um sistema que se vende e
se auto-publicita, faz com que a nossa história se manifeste através de uma grande história geral onde não se
referem todos os grandiosos processos silenciosos de liberdade que nascem da indeterminação na parte psíquica
de cada um e na indeterminação que cabe a cada indivíduo consciente.

Esta exposição celebra a ruína de uma fórmula - MV/C+V. A actualidade do mercado da arte revela a mais
agressiva faceta de ir contra tudo o que se apresenta como a criação de espaços geradores de imaginação. Na
validade dos processos de escolha revelados no decorrer da história do homem, existe uma estranha confusão
entre o acto de comprar e a possibilidade de podermos adquirir livremente. Resta-nos a contingência de todas
fórmulas e a certeza da sua destruição, para que possamos reconstruir do nada entre os escombros espaços
mínimos de autonomia.





                                MV/C+V =

Esta exposição pretende dar a conhecer um grupo de 12 jovens artistas, que vive uma realidade particular, a qual
pode ser projectada em inúmeras dimensões, que vão desde um enquadramento de carácter mais geográfico, até
a uma linguagem ou forma de expressão que remete para uma ideia de identidade global.

MV/C+V ou a Fórmula do Lucro é uma abordagem possível, de entre muitas outras, à condição e obra destes
artistas, e a sua escolha como imagem aglutinadora deste projecto prende-se com questões prementes e actuais
no contexto das artes. Uma ideia de lucro que evoluiu para padrões cada vez mais abstractos e subjectivados só
poderia ser contraposta com uma abundância de propostas capaz de a ironizar.

Seria óbvio de mais referir que actualmente a arte está sujeita a processos de especulação e investimento, em
actos que estruturam pressupostos pouco ou nada relacionados com os valores intrínsecos às práticas artísticas.
Ao fazermos uma escolha de jovens artistas vemos como é difícil em termos de valor económico estabelecer
qualquer tipo de patamar ou hierarquização, uma vez que todos se encontram numa situação de igualdade em
relação ao futuro. Assim, conseguimos desviar-nos de qualquer tipo de problema relativamente a critérios de
selecção, dado que os valores materiais a ter em conta são manifestamente intangíveis.

O aspecto mais interessante desta exposição é o facto dos artistas estarem dispostos a mostrar o seu trabalho, de
terem uma vontade de produzir, de arriscarem a entrada num sistema que muitas vezes se regula por
conveniências e segundo padrões altamente discutíveis nos argumentos e nas justificações que enuncia.

É evidente que, observando a lista de artistas convidados, poderá afirmar-se que se trata de uma selecção com
ligações claras a Guimarães. Esta escolha justifica-se, antes de mais porque existe um número suficiente de
artistas activos na cidade para levar a efeito uma opção criteriosa; em segundo lugar, porque se tem vindo a
desenvolver, há já bastantes anos, em Guimarães, um importante trabalho no âmbito da formação e divulgação
da arte contemporânea, o qual que seria inadmissível ignorar. Assim, esta exposição pretende comemorar todo
trabalho realizado até à data pela Escola Superior Artística do Porto - Guimarães, pelas galerias e pelos grupos
independentes de artistas.

Assumindo-se como uma colaboração em proximidade entre o Centro Cultural Vila Flor e a Escola Superior
Artística do Porto - Guimarães, este projecto partilhou a responsabilidade conjunta de conceber e concretizar
uma exposição e um documento ilustrativo das potencialidades da cidade e deste núcleo de artistas em especial,
formalizado na elaboração de um documento cuidadoso e suficientemente informativo dos trabalhos
previamente produzidos por cada um, capaz de realizar uma síntese compreensiva dos diferentes currículos
através de registos fotográficos e textuais, com o objectivo de completar o mais possível a parte expositiva do
projecto.

O CCVF deseja continuar a enveredar periodicamente por este tipo de estratégia de actuação, de forma natural e
espontânea, tendo em consideração as várias sensibilidades locais, no sentido de referenciar Guimarães no
circuito da arte contemporânea em Portugal e de poder oferecer aos artistas a oportunidade de verem publicado
o seu trabalho.






Seremos sempre entre outras coisas, cada um de nós filho da sua
época, um homem que fala esta língua e não outra, que tem esta
história passada e não outra. Mas, em relação a estes dados, um
indivíduo autónomo é capaz de assumir certa distância. Vejamos por
exemplo Sócrates e o ateniense que se limita a seguir ideias da
massa: têm a mesma língua e o mesmo vivido na mesma época, mas
Sócrates é outra coisa mais, que não um simples ateniense vindo da
massa. Também hoje, existem indivíduos que são capazes de assumir
distancia perante a sua própria herança - é isso a autonomia. É
submetermos o que recebemos a um exame lúcido, a um exame
reflectido e dizermos: com isto fico, com isto não.

- E a liberdade estaria nessa escolha?

Sim, e trata-se de um exame que nunca pode ser total, nunca
podemos modificar tudo o que pensamos, e não podemos modificá-lo
de uma assentada só. É um trabalho perpétuo, e esse trabalho é o
que para mim define autonomia.


Cornelius Castoriadis
Uma sociedade à deriva in Entrevistas e Debates, 1974-1997