AUTOR: IVO MARTINS 
EDIÇÃO: (Catálogo) Centro Cultural Vila Flor     DATA: Janeiro de 2007 





A exposição de António Olaio apresenta uma selecção de trabalhos que recorrem à pintura, desenho, vídeo e
instalação como processos criativos longamente desenvolvidos pelo autor. A redefinição e a busca de princípios
de interacção entre eles estendem-se a outras realidades permanentemente reconstruídas, destacando-se deste
conjunto de obras os elementos intemporais da dominação do contingente, significados que formam e
actualizam novas vivências socioculturais, que os tempos presentes obrigam a reconsiderar. Parece que tudo está
a desaparecer e a reaparecer na fronteira dos diversos elementos tradicionais e modernos que os acontecimentos
artísticos, passados e recentes, fazem reviver como novas descobertas. Os discursos, entretanto desenvolvidos e
acumulados, a partir da segunda metade do século vinte, revelam a variedade de géneros, e suas eventuais
tipologias, que impede toda e qualquer orientação normativa, numa ironia que se fragmenta e reproduz na
utilização duma falta de rigidez estabelecida em repetidas tentativas de se encontrarem mais certezas.

O acto de “fazer acontecer” pulveriza e refaz as práticas tradicionais e das redefinições contemporâneas criam-se
causas e efeitos de uma incerteza insolúvel, que atira a arte para o terreno sombrio do fracasso da imaginação,
expressas em todas as formas de organização da actualidade. Estes trabalhos vivem sobre um espaço de
fronteira, no incerto e numa dúvida que se expressa através de um dilema de sobrevivência, uma actividade de
resistir sobre o indeterminado, o qual, quando se submete às nossas vontades, tende a reduzir aquilo que
entendemos por “vida” a uma forma museológica solene.

Com a finalidade de mostrar novas configurações das obras apresentadas, tal como se realizaram, numa
superação dos limites atribuídos a cada um dos suportes utilizados, o programa desta exposição deseja
caracterizar as várias abordagens que o artista efectuou durante anos de actividade. Existe, subjacente a este
processo uma negação, uma procura de atmosferas escassas do erro, actuação inconsequente sobre a arte que se
pode perceber na ideia do “ironista” de Richard Rorty, ou aquele que “passa o seu tempo a preocupar-se com a
possibilidade de ter sido iniciado na tribo errada, de ter sido ensinado a jogar o jogo de linguagem errado”; que
“se preocupa com o facto de que o processo de socialização que o transformou num ser humano, ao dar-lhe uma
linguagem, possa ter-lhe dado a linguagem errada e, deste modo, tê-lo tornado no tipo errado de ser humano.
Não sendo, no entanto, capaz de apresentar um critério do que é “errado”. (1)

Ao mostrar as sucessivas mudanças conseguidas, dando-se amplas liberdades ao autor na ordenação e
manifestação dos seus trabalhos, esta exposição não deseja induzir que se considere na sua apresentação um
conceito retrospectivo de ordenamento, porque se sabe que actualmente a arte tornou-se mais importante na
busca de uma perfeição privada do que na realização de qualquer missão de carácter social. Ao optar-se por uma
construção aberta e livremente relacional dos trabalhos escolhidos, espera-se reiterar a exigência de uma maior
abertura e de um maior espaço para a auto-criação, para que a experiência e a vivência transmitidas nas peças
seleccionadas, sublevem as diferentes propostas contidas nas várias imagens presentes, e que são inerentes a uma
questão privada, a qual se limita a interrogar sobre a realidade segundo a óptica do autor, desenvolvendo
questões que se prendem com a circulação, a linguagem e a produção artísticas.


(1) RORTY, Richard, Contingência, Ironia e Solidariedade, Editorial Presença, Lisboa, 1992, p. 105.